O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Parnaso de Além-Túmulo — Autores diversos


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Olavo Bilac


Natural do Rio de Janeiro, nasceu em 16 de dezembro de 1865 e aí faleceu em 1918. Considerado, ao seu tempo, o Príncipe dos Poetas Brasileiros. Sócio fundador da Academia Brasileira de Letras.


Jesus ou Barrabás?

1 Sobre a fronte da turba há um sussurro abafado.
A multidão inteira, ansiosa se congrega,
Surda à lição do amor, implacável e cega,
Para a consumação dos festins do pecado.


2 «Crucificai-o!» — exclama… Um lamento lhe chega
Da Terra que soluça e do Céu desprezado.
«Jesus ou Barrabás?» — pergunta, inquire o brado
Da justiça sem Deus, que trêmula se entrega.


3 Jesus! Jesus!… Jesus!… — e a resposta perpassa
Como um sopro cruel do Aquilão da desgraça,
Sem que o Anjo da Paz amaldiçoe ou gema…


4 E debaixo do apodo e ensanguentada a face,
Toma da cruz da dor para que a dor ficasse
Como a glória da vida e a vitória suprema.




Soneto

1 Por tanto tempo andei faminto e errante,
Que os prazeres da vida converti-os
Em poemas das formas, em sombrios
Pesadelos da carne palpitante.


2 No derradeiro sono, instante a instante,
Vi fanarem-se anseios como fios
De ilusão transformada em sopros frios,
Sobre o meu peito em febre, vacilante.


3 Morte no teu portal a alma tateia,
Espia, inquire, sonda e chora, cheia
De incerteza na esfinge que tu plasmas!..


4 Impassível, descerras aos aflitos
Uma visão de mundos infinitos
E uma ronda infinita de fantasmas.




No Horto

1 Tristemente, Jesus fitando os céus, em prece,
Vê descer da amplidão o Arcanjo da Agonia,
Cuja mão luminosa e terna lhe trazia
O cálix do amargor, duríssimo e refece.


2 — «Se puderdes, meu Pai, afastai-o!…» — dizia,
Mas eis que todo o Azul celígeno estremece;
E do céu se desprende uma doirada messe
De bênçãos aurorais, de Paz e de Alegria.


3 Paira em todo o recanto a vibração sonora
Do Amor e o Mestre já na sede que o devora,
De imolar-se por fim nas aras desse Amor,


4 Sente a Mão Paternal que o guia na amargura,
E sublime na fé mais vívida, murmura:
— «Que se cumpra no mundo o arbítrio do Senhor!…»




O beijo de Judas

1 Ouve-se a voz do Mestre ungida de ternura:
— «Amados, eu vos dou meus últimos ensinos;
Na doce mansidão dos seres pequeninos,
Trazei a vossa vida imaculada e pura!


2 O Amor há-de vos dar todos os dons divinos;
Eterna irradiação que atinge a mais escura
Estrada de aflição, de dor e desventura,
— Raio de eterno sol na senda dos destinos.


3 Derramai com piedade a lágrima terrestre!»
Mas eis que Judas chega e lhe diz: — «Salve, Mestre!»
E toma-lhe das mãos, osculando-lhe a fronte…


4 E Jesus abençoando aquelas almas cegas,
Responde humildemente: — «É assim que tu me entregas?»
Vendo as coortes do Céu nas fímbrias do horizonte…




A crucificação

1 Fita o Mestre, da cruz, a multidão fremente,
A negra multidão de seres que ainda ama.
Sobre tudo se estende o raio dessa chama,
Que lhe mana da luz do olhar clarividente.


2 Gritos e altercações! Jesus, amargamente,
Contempla a vastidão celeste que o reclama;
Sob os gládios da dor aspérrima, derrama
As lágrimas de fel do pranto mais ardente.


3 Soluça no silêncio. Alma doce e submissa,
E em vez de suplicar a Deus para a injustiça
O fogo destruidor em tormentos que arrasem,


4 Lança os marcos da luz na noite primitiva,
E clama para os Céus em prece compassiva:
«— Perdoai-lhes, meu Pai, não sabem o que fazem!…»




Aos descrentes

1 Vós, que seguis a turba desvairada,
As hostes dos descrentes e dos loucos.
Que de olhos cegos e de ouvidos moucos
Estão longe da senda iluminada,


2 Retrocedei dos vossos mundos ocos,
Começai outra vida em nova estrada,
Sem a ideia falaz do grande Nada,
Que entorpece, envenena e mata aos poucos.


3 Ó ateus como eu fui — na sombra imensa
Erguei de novo o eterno altar da crença,
Da fé viva, sem cárcere mesquinho!


4 Banhai-vos na divina claridade
Que promana das luzes da Verdade,
Sol eterno na glória do caminho!




Ideal

1 Na Terra um sonho eterno de beleza
Palpita em todo o espírito que, ansioso,
Espera a luz esplêndida do gozo
Das sínteses de amor da Natureza;


2 É ansiedade perpetuamente acesa
No turbilhão medonho e tenebroso
Da carne, onde a esperança sem repouso
Luta, sofre e soluça, e sonha presa.


3 Aspirações do mundo miserando,
Guardadas com ternura, com desvelos,
Nas lágrimas de dor do peito aflito!…


4 Mas que o homem realiza apenas, quando,
Rotas as carnes, brancos os cabelos,
Sente o beijo de glória do Infinito!…




Ressurreição

1 Extinga-se o calor do foco aurifulgente
Do Sol que vivifica o Mundo e a Natureza;
Apague-se o fulgor de tudo o que alma presa
Às grilhetas do corpo, adora, anela e sente;


2 Tombe no caos do nada, em túrgida surpresa,
O que o homem pensou num sonho de demente,
Os mistérios da fé, fulcro de luz potente,
O templo, o lar, a lei, os tronos e a realeza;


3 Estertore e soluce exausto e moribundo,
Debilmente pulsando, o coração do mundo,
Morto à míngua de luz, ambicionando a glória;


4 O Espírito imortal, depois das derrocadas,
Numa ressurreição de eternas alvoradas,
Subirá para Deus num canto de vitória.




O livro

1 Ei-lo! Facho de amor que, redivivo, assoma
Desde a taba feroz em folhas de granito,
Da Índia misteriosa e dos louros do Egito
Ao fausto senhoril de Cartago e de Roma!


2 Vaso revelador retendo o excelso aroma
Do pensamento a erguer-se esplêndido e bendito,
O Livro é o coração do tempo no Infinito,
Em que a ideia imortal se renova e retoma.


3 Companheiro fiel da virtude e da História,
Guia das gerações na vida transitória,
É o nume apostolar que governa o destino;


4 Com Hermes e Moisés, com Zoroastro e Buda,
Pensa, corrige, ensina, experimenta, estuda,
E brilha com Jesus no Evangelho Divino.




Brasil

1 Desde o Nilo famoso, aberto ao sol da graça
Da virtude ateniense à grandeza espartana,
O anjo triste da paz chora e se desengana,
Em vão plantando o amor que o ódio despedaça,


2 Tribos, tronos, nações… tudo se esfuma e passa.
Mas o torvo dragão da guerra soberana
Ruge, fere, destrói e se alteia e se ufana,
Disputando o poder e denegrindo a raça.


3 Eis, porém, que o Senhor, na América nascente,
Acende nova luz em novo continente
Para a restauração do homem exausto e velho.


4 E aparece o Brasil que, valoroso, avança,
Encerrando consigo, em láureas de esperança,
O Coração do Mundo e a Pátria do Evangelho.


Olavo Bilac



Os sonetos: No Horto; O beijo de Judas e A crucificação foram publicadas também em 2010 pela editora VL na 3ª Parte do livro “Chico Xavier: O Primeiro Livro” e encontram-se devidamente relacionadas no Anexo A.


Texto extraído da 6ª edição desse livro. — Revista e ampliada pelos autores espirituais.

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