O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

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Revista espírita — Ano XI — Setembro de 1868.

(Idioma francês)


Conferências sobre a alma.

Pelo Sr. Alexandre Chaseray. n

São inumeráveis as obras modernas nas quais o princípio da pluralidade das existências é afirmado casualmente. Mas a de que falamos nos parece uma destas em que ele é tratado da maneira mais completa. O autor se empenha, além disso, em demonstrar que a ideia cresce e se impõe cada mais aos espíritos esclarecidos.


Nos fragmentos que transcrevemos a seguir, as notas são do autor.

“A transmigração das almas, diz o Sr. Chaseray, é uma ideia filosófica ao mesmo tempo das mais antigas e das mais novas. A metempsicose  †  constitui o fundo da religião dos hindus, religião muito anterior ao judaísmo, e Pitágoras pôde receber esta crença dos Brâmanes,  †  a ser verdade que ele tenha estado na Índia; mas é mais provável que a tenha trazido do Egito, onde viveu muito tempo. A civilização reinava às margens do Nilo alguns milhares de anos antes do nascimento de Moisés e, no dizer de Heródoto, os sacerdotes egípcios foram os primeiros a anunciar que a alma é imortal e que passa sucessivamente por todas as espécies de animais, antes de entrar num corpo humano.

“Por seu lado, os gregos jamais abandonaram completamente a metempsicose. Os que entre eles não admitiam por inteiro a doutrina de Pitágoras, acreditavam vagamente com Platão que a alma imortal tinha existido em algum lugar, antes de se manifestar sob a forma humana, ou acreditavam no rio Letes e no renascimento do homem na Humanidade. Entre os primeiros cristãos, muitos neófitos entendiam conservar de seus antigos dogmas o que lhes parecia bom; os maniqueus,  †  por exemplo, tinham conservado os dois princípios do bem e do mal e a migração das almas; é assim que, vindo os heresiarcas  †  a se multiplicarem, os Pais e os Concílios tiveram muito a fazer para reconduzir os espíritos a uma fé uniforme. Definitivamente vitoriosa, a Igreja apostólica baniu de seu império a metempsicose, que foi substituída pelo dogma do julgamento irrevogável e da divisão dos homens em eleitos e danados. O purgatório foi introduzido mais tarde, como corretivo de uma decisão extremamente inflexível.

“Assim como não considerei muito como um progresso o espiritualismo de Santo Tomás, do qual não se vê nenhum traço nos livros santos, também ainda não julgo feliz, nem conforme a antiga doutrina do pecado original, que estabelece uma solidariedade tão estreita entre todas as gerações de homens, a afirmação dogmática que consiste em dizer que a existência de cada um de nós não tem raízes no passado e conduz a um paraíso ou a um inferno eternos. Em minha opinião, eis aí uma heresia filosófica, contra a qual o espírito moderno reage com força. “Reaparece de todas as partes a transmigração das almas. Mas, em nossos dias, geralmente se concebe uma metempsicose mais larga do que aquela cuja crença atribuíam aos Antigos. O espírito de indução, tendo transposto os limites da Terra, e reconhecido nos sóis e nos planetas mundos habitados, não mais limitou os destinos do homem ao globo terrestre. Em lugar de ver a alma percorrendo incessantemente o círculo das plantas, dos animais e da espécie humana, ou renascendo constantemente na Humanidade, foi possível imaginá-la alçando seu voo para mundos infinitos.  n

“Não tenho senão o embaraço da escolha no caso de citações, para mostrar que a fé tem uma série de existências, umas anteriores, outras posteriores à vida presente, crescendo e se impondo cada dia mais aos espíritos esclarecidos.

“Comecemos por Jean Reynaud. Esse filósofo insiste na ligação natural que apresentam as duas ideias de preexistência e de vida futura.

“Se se examinasse, diz ele, todos os homens que passaram sobre a Terra, desde que a era das religiões cultas aí começou, ver-se-ia que a grande maioria viveu na consciência mais ou menos fixa de uma existência prolongada por vias invisíveis, aquém e além dos limites desta vida. Com efeito, aí há uma espécie de simetria tão lógica que deve ter seduzido as imaginações à primeira vista; o passado aí faz equilíbrio ao futuro, e o presente não é senão o pivô entre o que já não é e o que ainda não é. O platonismo despertou esta luz precedentemente agitada por Pitágoras e dela se serviu para esclarecer as mais belas almas que honraram os tempos antigos.  n

“Esse julgamento de Jean Reynaud se acha plenamente confirmado pela nota seguinte de Lagrange, o elegante tradutor do poema de Lucrécia: [Lucrèce - Google Books.]

“De todos os filósofos que viveram antes do Cristianismo, nenhum sustentou a imortalidade da alma sem estabelecer previamente a sua preexistência; um desses dogmas era considerado como consequência natural do outro. Acreditava-se que a alma devia existir sempre, porque sempre tinha existido; e, ao contrário, estavam persuadidos de que, concordando que ela tinha sido gerada com o corpo, não se tinha mais o direito de negar que ela devesse morrer com ele. “ — Nossa alma, diz Platão, existia em algum lugar antes de estar nesta forma de homens; eis por que não duvido que ela seja imortal.”

“O velho druidismo, prossegue o autor de Terra e Céu, fala ao meu coração. Esse mesmo solo que hoje habitamos comportou antes de nós um povo de heróis, que estavam todos habituados a se considerar como tendo experimentado o Universo de longa data, antes de sua encarnação atual, fundando assim a esperança de sua imortalidade na convicção de sua preexistência.”

“Um dos nossos melhores historiadores também faz rasgados elogios ao principal ensino dos druidas; Henri Martin é de opinião que os nossos pais, os gauleses, representavam no mundo antigo “a mais firme, a mais clara noção da imortalidade que jamais houve.”  n

“Por sua vez, diz Eugéne Sue sobre a fé druídica:

“Segundo esta crença sublime, o homem imortal, espírito e matéria, vindo de baixo e indo para o alto, transitava por esta Terra, aqui habitava passageiramente, como tinha habitado e devia habitar essas outras esferas que brilham, inumeráveis, no meio dos abismos do espaço.”  n

“Já no século dezessete dizia Cyrano de Bergerac, [Oeuvres diverses / Cyrano de Bergerac - Google Books.] a exemplo dos sacerdotes gauleses:

“Morremos mais de uma vez; e como não somos senão partes deste Universo, mudamos de forma para retomar a vida alhures, o que não é um mal, mas um caminho para aperfeiçoar o ser e para chegar a um número infinito de conhecimentos.”

“Vários de nossos contemporâneos, contudo, sem parecer inspirar-se nos druidas, também anunciam que o destino da alma é viajar de mundos a mundos.

“Lê-se, por exemplo, na Profissão de fé do século dezenove, [Profession de foi du dix-neuvième siècle - Google Books.] de Eugène Pelletan:

“Pela irresistível lógica da ideia, creio poder afirmar que a vida mortal terá o espaço infinito como lugar de peregrinação… O homem irá, pois, sempre de sol a sol, subindo sempre, como na escada de Jacó,  †  a hierarquia da existência, passando sempre, segundo seu mérito e o seu progresso, de homem a anjo, de anjo a arcanjo.

“E na Renovação Religiosa, [Rénovation religieuse - Google Books.] do Sr. Patrice Larroque, antigo reitor da Academia:

“Pode-se conjecturar que a maior parte dos outros globos que se movem no espaço, alberguem, como na Terra, seres organizados e animados, e que esses globos sejam os sucessivos teatros de nossas vidas futuras.”

Lamennais exprime a ideia do renascimento de uma maneira absolutamente precisa, embora mais restrita: Diz ele: “Estando realizado o progresso possível ao indivíduo sob sua forma orgânica atual, ele devolve à massa elementar esse organismo gasto, revestindo um outro mais perfeito.” n

“Assinalemos, ainda, o traço seguinte do discurso pronunciado pelo Sr. Guéroult,  †  do Opinion nationale, junto ao túmulo do pai Enfantin:

“Ninguém foi mais religioso que Enfantin; ninguém viveu tanto quanto ele em presença da vida eterna, da qual esta vida, que nos escapa a cada instante, não é senão uma das inumeráveis etapas.

“Um dos nossos mais célebres romancistas dá a pensar que acredita na passagem dos seres inferiores nas espécies superiores e, nomeadamente, dos animais à Humanidade:

“Explique quem quiser, diz George Sand, essas afinidades entre o homem e certos seres secundários da criação. Elas são tão reais quanto as antipatias e os terrores insuperáveis que nos inspiram certos animais inofensivos… É talvez que todos os tipos, repartidos cada um especialmente em cada raça de animais, se encontrem no homem. Os fisionomistas têm constatado semelhanças físicas; quem pode negar as semelhanças morais? Não há entre nós raposas, lobos, leões, águias, besouros e moscas? A grosseria humana é muitas vezes baixa e feroz, como o apetite do porco…”

“George Sand se mostra mais explícito a respeito da migração das almas, nas seguintes linhas da mesma obra: n

“Se não devemos aspirar à beatitude dos puros Espíritos da região das quimeras, se devemos sempre entrever, além desta vida, um trabalho, um dever, provações e uma organização limitada em suas faculdades em frente ao infinito, pelo menos nos é permitido pela razão e nos é ordenado pelo coração, contar com uma série de existências progressivas, em razão dos nossos bons desejos… Podemos considerar esta Terra como um lugar de passagem e contar com um despertar mais suave no berço que nos espera alhures. De mundos em mundos, podemos, desprendendo-nos da animalidade que aqui neste mundo combate o nosso espiritualismo, tornar-nos próprios para revestir um corpo mais puro, mais adequado às necessidades da alma, menos combatido e menos entravado pelas enfermidades da vida humana, tal qual a suportamos na Terra.

“Citemos ainda um romancista, Balzac. Os romancistas desta ordem, assim como os poetas excepcionais, abordam as mais elevadas questões e sabem semear traços profundos em seus escritos de uma forma leve e agradável. É assim que em Os Miseráveis [Les Misérables - Google Books.], Victor Hugo deixa cair de sua pena esta vaga interrogação: “De onde viemos? é bem certo que nada fizemos antes de termos nascido?” É somente pensando nisto, e sem ideia preconcebida de sustentar uma tese filosófica, que o autor da Comédia Humana [La Comédie humaine - Google Books.] fala das existências sucessivas. Por isso não posso senão captar este pensamento em vários de seus romances.

“Eis, por exemplo, algumas linhas de O lírio do vale: [Lys dans la vallée - Google Books.]

“O homem é composto de matéria e de espírito; a animalidade vem terminar nele e nele começa o anjo. Daí essa luta que experimentamos todos entre um destino futuro, que pressentimos, e as lembranças de nossos instintos exteriores, dos quais não nos desligamos inteiramente: um amor carnal e um amor divino.”

“E encontro em Séraphita - Google Books, esse romance místico, no qual Balzac expõe com um interesse e um encanto tão poderosos a doutrina religiosa do sueco Swedenborg:

“As qualidades adquiridas e que se desenvolvem lentamente em nós são laços invisíveis que ligam cada uma de nossas existências uma à outra.

“Enfim, nos Comediantes sem o saber, a sibila, senhora Fontaine, pergunta a Gazonal:

“— Que flor amais?

“— A rosa.

“— De que cor gostais?

“— Do azul.

“— Que animal preferis?

“— O cavalo. Por que estas perguntas? pergunta ele por sua vez.

“— O homem se liga a todas as formas por seus estados anteriores, diz ela sentenciosamente; daí vêm os seus instintos, e os seus instintos dominam o seu destino.”

Michelet testemunha sua simpatia pelas mesmas ideias, quando chama o cão um candidato à Humanidade, e quando diz, falando dos pássaros:

“Que são eles? almas esboçadas, almas especializadas ainda em tais funções da existência, candidatos à vida mais geral e mais vastamente harmônica, a que chegou a alma humana.” n

Pierre Leroux não crê que o homem tenha passado pelos tipos inferiores dos animais e das plantas. Segundo ele, os indivíduos se perpetuam no seio da espécie e o homem renasce indefinidamente na Humanidade. A solidariedade entre todos os membros da família humana então é evidente; o bem que um homem faz aos seus semelhantes redunda em seu proveito, desde que deles não se separa pela morte, senão para logo voltar a misturar-se a eles. Sustentando a perpetuidade do ser no seio da espécie, Pierre Leroux afasta-se dos autores que acabo de citar e não encontra muitos aprovadores. n Mas não deixa de ser um ardente defensor da ideia geral e de uma importância extrema, que liga a vida atual a uma série de existências.

“Depois de ter dito que a criança, vindo ao mundo, não é, como pretendia a escola de Locke, uma tábua rasa, e que é injuriar a Divindade supor que ela tire do nada novas criaturas, que embeleza ao acaso com seus dons, ou fere ao acaso com a sua cólera, Pierre Leroux conclui por estas palavras:

“Assim, é preciso que se admita necessariamente o sistema indeterminado das metempsicoses, ou o sistema determinado do renascimento na Humanidade, que eu sustento. n

“Estou longe de repelir de maneira absoluta o sistema de renascimento na Humanidade; mas a Humanidade teve um começo, posterior mesmo ao da maioria das espécies animais e vegetais que cobrem o nosso globo; a Humanidade terá um fim; e, desde que a alma não perece, é preciso que o ser permanente, o eu, mergulhe suas raízes alhures que não na Humanidade, e encontre seu desenvolvimento futuro alhures que não na Humanidade, forma transitória.”


As numerosas citações que faz o autor, e que estão longe de ser completas, provam quanto é geral a ideia da pluralidade das existências e que em pouco terá passado ao estado de verdade adquirida. Sobre outros pontos, ele se afasta completamente da Doutrina Espírita; estamos longe de partilhar sua opinião sobre todas as questões que trata em seu livro, notadamente no que concerne à divindade, à qual ele atribui um papel secundário, e a natureza íntima da alma, cuja espiritualidade contesta. Seu sistema é uma espécie de panteísmo, que ladeia o Espiritismo, e parece ser um termo médio para certas criaturas que não querem o ateísmo,  †  nem o niilismo,  †  nem o espiritualismo  †  dogmático. Por mais incompleto que seja, não deixa de ser um progresso notável sobre as ideias materialistas, das quais está muito mais afastado do que das nossas. Salvo alguns pontos muito controvertidos, a obra contém vistas muito profundas e muito justas, às quais o Espiritismo não poderá senão associar-se.



[1] Pequeno volume in-12. Preço: 1 fr. 50; pelo correio, 1 fr. 75. Casa Germer-Baillière, 17, rue de l’École-de-médecine. †  [Conférences sur l’âme - Google Books — Vide também do mesmo autor: Quelques notes de voyage - Google Books.]


[2] Era tão natural aproveitar a oportunidade gloriosa aberta à alma pelas descobertas astronômicas, que não posso crer que a metempsicose de Pitágoras tenha sido realmente o que dela pensava o vulgo. Porque Pitágoras conhecia o verdadeiro sistema do mundo; o duplo movimento de rotação e de translação da Terra; a imobilidade relativa do Sol; a importância das estrelas fixas, cada uma das quais é um Sol e o centro de um grupo de planetas, muito provavelmente habitados; a marcha e a volta dos cometas: nada de tudo isto era ignorado por Pitágoras. Esse filósofo, instruído pelos sábios sacerdotes egípcios, que não revelavam seus segredos, senão a um pequeno número de iniciados, julgou por bem dever, a exemplo deles, guardar segredo sobre esta parte de sua ciência. Um de seus discípulos, menos escrupuloso, a divulgou; mas como faltaram as provas e as verdades se achavam perdidas no meio de erros e de divagações místicas, a revelação passou despercebida. Não basta emitir uma ideia justa; é preciso saber fazer aceitá-la. Assim, Copérnico e Galileu, os vulgarizadores do verdadeiro sistema cosmológico, são considerados como os seus inventores, embora a noção primeira se perca na noite dos tempos.


[3] Terre et ciel - Google Books.


[4] Histoire de France. Tome X - Google Books, 4ª edição, tomo I.


[5] (Folhetim da Presse, de 19 de outubro de 1854.)

Nem todos os autores antigos desconheceram o lado belo da religião dos druidas, como testemunham esses versos de Lucain:

Vobis auctoàbus, umbrae

Non tacitas Erebi sedes, Diàsque profundi

Pallida regna petunt: regit idem spiritus artus

Orbe alio: longae (caniàs si cognita) vitae

Mors media est.

“Segundo vós, druidas, as sombras não descem às silenciosas regiões do Erebo, aos pálidos reinos do deus do abismo. O mesmo Espírito anima um novo corpo em outra esfera. A morte (se os vossos hinos contêm a verdade) é o meio de uma longa vida.”


[6] Da sociedade primitiva e de suas leis, [De la société première et de ses lois - Google Books.] livro III.


[7] História de minha vida. [Histoire de ma vie - Google Books.]


[8] O Pássaro. [L’Oiseau - Google Books.]


[9] Goethe parecia partilhar desta maneira de ver, quando exclamava em uma de suas cartas à encantadora senhora de Stein: “Por que o destino nos ligou tão estreitamente? Ah! em tempos passados, tu foste minha irmã ou minha esposa! Conheceste os meus menores traços, e espreitaste a mais pura vibração de minhas fibras, soubeste ler-me num olhar, a mim, que um olhar humano dificilmente penetra! (Revue germanique - Google Books, dezembro de 1865.) Victor Meunier não está longe de crer também no renascimento do homem na Terra: “A sorte dos que vierem depois de nós, diz ele, não me encontra indiferente, longe disto! Assim como não me está demonstrado que nós não nos sucederemos a nós mesmos.” (A Ciência e os sábios em 1865, 2º semestre. [La Science et les savants en 1865 - Google Books.]


[10] De l’humanité, de son principe, et de son avenir: où se trouve exposée la … Par Pierre Leroux - Google Books.



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