O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

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Revista espírita — Ano VI — Maio de 1863.

(Idioma francês)

Algumas refutações.

(Sumário)

1. – De vários pontos nos assinalam novas prédicas contra o Espiritismo, todas no mesmo espírito daquelas de que temos falado; e como não passam, quase sempre, de variantes do mesmo pensamento, em termos mais ou menos escolhidos, julgamos supérfluo fazer-lhes a análise. Limitar-nos-emos a destacar certas passagens, acompanhando-as de algumas reflexões.


“Meus irmãos, é um cristão que fala a cristãos e, nessa qualidade, temos o direito de nos admirarmos, vendo o Espiritismo crescer entre nós. O que é o Espiritismo, eu vos pergunto, senão um mosaico de horrores que só a loucura pode justificar?”

A isto nada temos a dizer, senão que todas as prédicas feitas nesta cidade foram incapazes de deter o crescimento do Espiritismo, como bem constata o orador; portanto, os argumentos que lhe opõem têm menos autoridade que os seus; e, se as prédicas emanam de Deus e o Espiritismo procede do diabo, é que este é mais poderoso que Deus. Nada mais brutal que um fato. Ora, a propagação do Espiritismo, em consequência mesma das prédicas, é um fato notório, e por certo as pessoas julgam que os argumentos por ele dados são mais convincentes que os dos adversários. É uma trama de horrores. Seja. Mas haveis de concordar que se esses Espíritos viessem abraçar todas as vossas ideias, em vez de demônios, deles faríeis santos; e, longe de condenar as evocações, vós as encorajaríeis.


2. – “Nosso século não respeita mais nada; nem mesmo a cinza dos túmulos é poupada, pois insensatos ousam chamar os mortos para conversar com eles. Infelizmente é assim. Eis até onde chegou esse pretenso século das luzes: conversar com as almas do outro mundo.”

Conversar com os mortos não é privilégio deste século, já que a história de todos os povos comprova que isto tem ocorrido em todos os tempos. A única diferença é que hoje isto é feito em toda parte sem os acessórios supersticiosos com que outrora cercavam as evocações, e com um sentimento mais religioso e mais respeitoso. De duas uma: ou a coisa é possível, ou não é. Se não é, é uma crença ilusória; tal como acreditar na fatalidade da sexta-feira, na influência do sal derramado. Não vemos, pois, que haja tantos horrores e que sé falte com o respeito conversando com seres que já não pertencem a este mundo. Se os mortos vêm conversar conosco, só pode ser com a permissão de Deus, a menos que se pretenda que venham sem essa permissão, ou contra a sua vontade, o que implicaria que Deus não se importa com isso ou que os evocadores são mais poderosos que Deus. Mas notai as contradições: de um lado dizeis que só o diabo se comunica e, de outro, que se perturbam as cinzas dos mortos, chamando-os. Se é o diabo, não são os mortos; portanto, não são perturbados nem se lhes falta com o respeito. Se são os mortos, então não é o diabo. Seria preciso, ao menos, que vos pusésseis de acordo sobre este ponto capital. Admitindo que sejam os mortos, reconhecemos que haveria profanação em chamá-los levianamente, por razões fúteis, sobretudo para fazer disto profissão lucrativa. Condenamos todas essas coisas e não nos responsabilizamos pelos que se afastam dos princípios do Espiritismo sério. Não assumais responsabilidade pelos falsos devotos, que da religião só têm a máscara, que pregam o que não praticam ou que especulam com as coisas santas. Certamente evocações feitas em condições burlescas atribuídas a um eloquente orador que citamos mais adiante, seriam um sacrilégio; mas, graças a Deus, não nos envolvemos com isso e não cremos que a do Sr. Viennois, igualmente referida adiante [v. Sr. Philibert Viennois], esteja neste caso.


3. – “Eu mesmo testemunhei estes fatos e ouvi pregar a moral, a caridade; é verdade. Mas sobre que se apoiam esta moral e esta caridade? Ah! sobre nada, porquanto não se pode chamar moral uma doutrina que nega as penas eternas.”

Se essa moral leva a fazer o bem sem o temor das penas eternas, é mais meritória ainda. Outrora se julgava impossível manter a disciplina na escola sem o medo da palmatória. Eram melhores os estudantes? Não; hoje ela não é mais usada e eles não são piores: ao contrário. Logo, o regime atual é preferível.

Julga-se a qualidade de um meio pelos seus efeitos. Aliás, a quem se dirige essa moral? Exatamente aos que não acreditam nas penas eternas, e a quem damos um freio, que aceitam, ao passo que não lhos dais, uma vez que não aceitam o vosso. Impedimos acreditem na danação absoluta aqueles a quem isto convém? Absolutamente. Ainda uma vez, não nos dirigimos aos que têm fé e aos quais esta basta, mas aos que não a têm ou duvidam. Preferiríeis que eles ficassem na incredulidade absoluta? Seria pouco caridoso. Temeis que vos tomem ovelhas? É que não tendes muita confiança no poder de vossos meios para retê-las; é que receais que elas sejam atraídas pela erva tenra do perdão e da misericórdia divina. Acreditais, então, que as que vacilam na incerteza preferirão as labaredas do inferno? Por outro lado, quem deve estar mais convencido das penas eternas, senão os que são alimentados no seio da Igreja? Ora, dizei por que essa perspectiva não deteve todos os escândalos, todas as atrocidades, todas as prevaricações contra as leis divinas e humanas, que pululam na História e se reproduzem incessantemente em nossos dias? São crimes ou não? Se, pois, os que fazem profissão desta crença não são tolhidos em suas ações, como querer que o sejam os que não creem? Não; ao homem esclarecido de nossos dias é preciso outro freio: aquele que sua razão admite. Ora, a crença nas penas eternas, talvez útil em outras épocas, está superada; extingue-se dia a dia e, por mais que fizerdes, não dareis vida a um cadáver nem fareis reviver os usos, costumes e ideias da Idade Média. Se a Igreja Católica julga sua segurança comprometida pelo desaparecimento dessa crença, devemos lamentá-la por repousar sobre base tão frágil, porque, se algo a atormenta, este é o dogma das penas eternas.


4. – “Assim, apelo à moralidade de todas as almas honestas; apelo aos magistrados, pois eles são responsáveis por todo o mal que semelhante heresia atrai sobre nossas cabeças.”

Não sabíamos que na França os magistrados fossem encarregados de instaurar processos contra as heresias, pois se entre eles há católicos, também há protestantes e judeus; assim, os próprios heréticos se incumbiriam de sua perseguição e condenação. E os há entre os funcionários da mais alta categoria.


5. –   “Sim, os espíritas – e não receio declarar aqui abertamente – não apenas são passíveis da polícia correcional e da Corte Imperial, mas, também – prestai bem atenção – do tribunal do júri, porque são falsários; assinam comunicações em nome de pessoas que certamente jamais as teriam assinado em vida, pessoas que hoje eles tanto fazem falar.”

Os espíritas estão realmente muito contentes, porque Confúcio, Sócrates, Santo Agostinho, São Vicente de Paulo, Fénelon e outros não lhes podem mover processos por crimes de falsificação de escrita particular. Bem que eu sonho com isso: eles teriam uma tábua de salvação precisamente nos tribunais do júri a cuja jurisdição estão sujeitos, pois ali os jurados se pronunciam segundo a sua consciência. Ora, entre eles há também protestantes e judeus; há, até – coisa abominável! – filósofos, incrédulos, horríveis livres-pensadores que, à vista de nossas detestáveis leis modernas, se acham em toda parte. Assim, se nos acusam de fazer Santo Agostinho dizer algo de heterodoxo, sempre encontraremos jurados que nos absolvam. Ó perversidade do século! dizer que em nossos dias Voltaire, Diderot, Lutero, Calvino, João Huss, Ário teriam sido jurados por direito de nascimento, que poderiam ter sido juízes perfeitos, ministro da justiça e mesmo dos cultos! Vede-os, esses celerados infernais, a se pronunciarem sobre uma questão de heresia! Porque, para condenar a assinatura de Fénelon, posta abaixo de uma suposta comunicação herética, é preciso julgar a questão da ortodoxia; e quem será competente no júri?


6. – “Entretanto, seria tão fácil interditar semelhante impiedade! O que se precisaria fazer? quase nada; mesmo sem lhes fazer a honra da capa do comissário, podeis colocar um sargento à entrada de cada grupo para dizer: não entreis. Pinto o mal e descrevo o remédio, apenas isto, pois eu os dispenso da Inquisição.”

Muito obrigado, mas não há grande mérito em oferecer aquilo que não se tem. Infelizmente, para vós, não podeis contar com a Inquisição, sem o que seria duvidoso que nos liberásseis dela. O que não dizeis aos magistrados, visando à interdição da entrada dos templos judeus e protestantes, onde se pregam publicamente dogmas que não são os vossos? Quanto aos espíritas, não têm templos nem sacerdotes, mas – o que para vós é a mesma coisa – grupos, à entrada dos quais basta pôr um sargento para que tudo fique dito. Realmente é muito simples. Mas esqueceis que os Espíritos ignoram qualquer proibição e entram em toda parte sem pedir permissão, mesmo em vossa casa, pois os tendes ao vosso lado, escutando-vos, sem que o suspeiteis e, ademais, vos falando ao ouvido. Trazei à memória as vossas lembranças e vereis que tivestes mais de uma manifestação, mesmo sem a haverdes buscado.

Pareceis ignorar uma coisa que é bom saibais. Os grupos espíritas não são absolutamente necessários; são simples reuniões onde se sentem felizes por encontrar-se pessoas que pensam do mesmo modo. E a prova disto é que hoje, na França, há mais de 600.000 espíritas, 99% dos quais não fazem parte de nenhum grupo e neles jamais puseram os pés; que eles não existem numa porção de cidades; que nem os grupos nem as sociedades abrem suas portas ao público para pregar suas doutrinas aos transeuntes; que o Espiritismo se prega por si mesmo e pela força das coisas, porque responde a uma necessidade da época; que as ideias espíritas estão no ar e são aspiradas por todos os poros da inteligência; que o contágio está no exemplo dos que são felizes com essas crenças e que são encontrados por toda parte, na sociedade, sem que se precise procurá-los nos grupos. Assim, não são os grupos que fazem a propaganda, pois não apelam ao primeiro que apareça; ela é feita pouco a pouco, de indivíduo a indivíduo. Se, portanto, admitíssemos a interdição de todas as reuniões, os espíritas ficariam livres para se reunirem em família, como já ocorre em milhares de lugares, sem que o Espiritismo nada sofra com isso; muito ao contrário, pois temos sempre condenado as grandes assembleias, que são mais prejudiciais que úteis; além disso, a intimidade é reconhecida como a condição mais favorável às manifestações. Interditaríeis as reuniões familiares? Colocaríeis um sargento à porta de um salão para vigiar o que se passa à lareira? Isto não se faz na Espanha, nem em Roma, onde há mais espíritas e médiuns do que pensais. Só faltava isso para aumentar ainda mais a importância do Espiritismo.

Admitamos agora a interdição legal dos grupos. Sabeis o que fariam esses espíritas que acusais de semear a desordem? Eles diriam: Respeitamos a lei; dura lex, sed lex [A lei é dura mais é lei]. Vamos dar o exemplo, mostrando que, se pregamos a união, a paz e a concórdia, não é para nos transformarmos em promotores de desordens. As sociedades organizadas não são necessárias à existência do Espiritismo; não há entre elas nenhuma solidariedade material que possa ser quebrada por sua supressão. O que os Espíritos aí ensinam, igualmente ensinam numa conversa particular entre duas pessoas, porque o Espiritismo tem o incrível privilégio de ter o seu foco de ensino por toda parte. Seu sinal de ligação é o amor de Deus e do próximo e, para o pôr em prática, não há necessidade de reuniões oficiais, pois ele tanto se estende sobre os amigos quanto sobre os inimigos. Qualquer um pode dizer o mesmo; e mais de uma vez a autoridade não tem encontrado resistência onde esperava encontrar a maior submissão? Se os espíritas fossem pessoas tão turbulentas e tão pervertidas quanto pretendeis, por que os funcionários encarregados da manutenção da ordem têm menos trabalho nos centros onde eles constituem maioria? Um funcionário chegou a dizer que se todos os seus administrados fossem espíritas, sua repartição podia ser fechada. Por que há menos penas disciplinares entre os militares espíritas?

E, depois, não pensais que atualmente há espíritas em toda parte, de alto a baixo na escala social; que há reuniões e médiuns até em casa daqueles que invocais contra nós. Vede, pois, que o vosso meio é insuficiente; é preciso buscar outro. – Temos a condenação fulminante do púlpito. – Está bem; e vós a usais largamente. Mas não vedes que por toda parte onde lançam raios o número de espíritas aumenta? – Temos a censura da Igreja e a excomunhão. – É melhor; mas ainda uma vez bateis no vazio. Repetimos: o Espiritismo nem se dirige a vós nem aos que estão convosco; não os vai buscar e dizer-lhes: deixai a vossa religião e segui-me; sereis danados se não o fizerdes. Não; ele é mais tolerante que isso e deixa a cada um a liberdade de consciência. Como já dissemos, ele se dirige à massa inumerável dos incrédulos, aos que duvidam e aos indiferentes; estes não estão convosco e vossas censuras não os podem atingir. Eles vinham a vós, mas os repelíeis. Quanta inabilidade! Se alguns dos vossos os seguem, é que vossos argumentos não são bastante fortes para os reter e não é com rigor que o conseguireis. O Espiritismo agrada porque não se impõe e é aceito pela vontade e o livre-exame. Nisto ele é de nossa época. Agrada pela doçura, pelas consolações que prodigaliza nas adversidades, pela fé inabalável que dá no futuro, na bondade e na misericórdia de Deus. Além disso, ele se apoia em fatos patentes, materiais, irrecusáveis, que desafiam toda negação. Eis o segredo de sua tão rápida propagação. Que lhe opondes? Sempre a danação eterna, expediente ruim para os tempos que correm; depois a deturpação de suas doutrinas: vós o acusais de pregar o aborto,, o adultério e todos os crimes. A quem pensais impor isto? Não aos espíritas, certamente. Aos que não o conhecem? Mas nesse número muitos querem saber o que é essa abominável doutrina; leem, e vendo que ela diz exatamente o contrário do que lhe atribuem, vos deixam para a seguir. E isto sem que ele os vá procurar.

A posição, bem o sei, é embaraçosa: Se falamos contra o Espiritismo – dizeis – recrutamos-lhe partidários; se nos calamos, ele marcha sozinho. Que fazer então? Outrora se dizia: Deixai passar a justiça do rei; agora é preciso dizer: Deixemos passar a justiça de Deus.

(Continua no próximo número)


7. ALGUMAS REFUTAÇÕES.

(2º artigo. – Ver o número de maio.)
[Revista de junho de 1863.]

Toda ideia nova encontra forçosamente oposição, por parte daqueles cujas opiniões e interesses contraria. Julgam alguns que a Igreja está comprometida – pensamos que não, mas nossa opinião não faz lei – razão por que nos atacam em seu nome com um furor ao qual só faltam as grandes execuções da Idade Média. Os sermões, as instruções pastorais lançam raios em todas as direções; as brochuras e artigos de jornais chovem em grande quantidade, na maioria com um cinismo de expressão pouquíssimo evangélico. Em vários deles é um raio que toca o frenesi. Por que, então, essa exibição de força e tanta cólera? Porque dizemos que Deus perdoa à criatura que se arrepende e que as penas só seriam eternas para aquelas que jamais se arrependessem, e porque proclamamos a bondade e a clemência de Deus, somos heréticos votados à execração e a sociedade está perdida. Apontam-nos como perturbadores; desafiam a autoridade a nos perseguir em nome da moral e da ordem pública; alegam que aquela não cumpre o seu dever deixando-nos tranquilos!

Aqui se apresenta um problema interessante. Pergunta-se por que essa violência contra o Espiritismo, e não contra tantas outras teorias filosóficas ou religiosas muito menos ortodoxas? A Igreja fulminou o materialismo, que tudo nega, como o faz contra o Espiritismo, que se limita à interpretação de alguns dogmas? Esses dogmas e muitos outros não foram tantas vezes negados, discutidos, polemizados numa porção de escritos que ela deixa passar despercebidos? Os princípios fundamentais da fé – Deus, a alma e a imortalidade – não foram publicamente atacados sem que ela se perturbasse? Jamais o saint-simonismo,  †  o fourierismo,  †  a própria Igreja do padre Chatel  n levantaram tantas cóleras, sem falar de outras seitas menos conhecidas, tais como os fusionistas, cujo chefe acaba de morrer, que têm um culto, seu jornal e não admitem a divindade do Cristo; os católicos apostólicos, que não reconhecem o papa, que têm seus padres e bispos casados, suas igrejas em Paris e nas províncias, onde batizam, casam e promovem cerimônias fúnebres. Por que, então, o Espiritismo, que não tem culto nem igreja, e cujos padres só existem na imaginação, levanta tanta animosidade? Coisa bizarra! o partido religioso e o partido materialista, que são a negação um do outro, dão-se as mãos para nos pulverizar, segundo dizem. Realmente o espírito humano apresenta caprichos singulares quando enceguecido pela paixão, e a história do Espiritismo terá coisas divertidas para registrar.


8. – A reposta está por inteiro nesta conclusão da brochura do Rev. Pe. Nampon: n “Em geral nada é mais abjeto, mais degradante, mais vazio de fundo e de atrativo na forma que tais publicações, cujo sucesso fabuloso é um dos sintomas mais alarmantes de nossa época. Destruí-os, pois, e nada perdereis com isso. Com o dinheiro gasto em Lyon  †  para essas inépcias, facilmente se teriam criado mais leitos nos hospitais de alienados, superlotados desde a invasão do Espiritismo. E que faremos dessas brochuras perniciosas? Faremos o mesmo que fez o grande apóstolo em Éfeso;  †  e assim agindo conservaremos em nosso meio o império da razão e da fé, preservando as vítimas dessas lamentáveis ilusões de uma porção de decepções na vida presente e das chamas da eternidade infeliz.”


9. – Esse sucesso fabuloso é que confunde os nossos adversários. Eles não podem compreender a inutilidade de tudo quanto fazem para travar essa ideia que passa por cima de suas ciladas, endireita-se sob os seus golpes e prossegue sua marcha ascendente sem se preocupar com as pedras que lhe atiram. Isto é um fato indubitável e constatado muitas vezes pelos adversários desta ou daquela categoria, em suas prédicas e publicações. Todos deploram o progresso incrível dessa epidemia, que ataca até os homens de ciência, os médicos e os magistrados. Na verdade é preciso voltar do Texas para dizer que o Espiritismo está morto e ninguém mais fala dele. (Vide a Revista de fevereiro de 1863.)

Que fazemos para triunfar? Vamos pregar o Espiritismo nas praças? Convocamos o público às nossas reuniões? Temos missionários de propaganda? Contamos com o apoio da imprensa? Temos, enfim, todos os meios de ação, ostensivos e secretos, que possuís e usais com tanta prodigalidade? Não; para recrutar partidários temos mil vezes menos trabalho do que vós para os desviar. Contentamo-nos em dizer: “Lede; e se isto vos convém, voltai a nós.” Fazemos mais, dizendo: “Lede os prós e os contras e comparai.” Respondemos aos vossos ataques sem fel sem animosidade, sem acrimônia, porque não temos cólera. Longe de nos lamentarmos da vossa, nós a aplaudimos, porque ela serve à nossa causa. Eis entre milhares uma prova da força persuasiva dos argumentos dos nossos adversários. Um senhor que acaba de escrever à Sociedade de Paris, pedindo para dela fazer parte, assim começa sua carta: “A leitura de: A questão do Sobrenatural, os mortos e os vivos, do Padre Matignon; n A questão dos Espíritos, do Sr. de Mirville;  n O Espírito batedor, do Dr. Bronson, e, finalmente, diversos artigos contra o Espiritismo, não fizeram senão que eu aderisse completamente à doutrina exposta em O Livro dos Espíritos e me deram o mais vivo desejo de fazer parte da Sociedade Espírita de Paris, para poder continuar o estudo do Espiritismo de maneira mais seguida e mais proveitosa.”


10. – Por vezes a paixão cega, a ponto de fazer cometer singulares inconsequências. Na passagem citada acima, o Rev. Pe. Nampon diz que “nada é mais vazio de atrativo que essas publicações, cujo sucesso fabuloso, etc.” Não percebe ele que essas duas proposições se destroem reciprocamente; uma coisa sem atrativo não poderia ter nenhum sucesso, porquanto só o terá com a condição de ter atrativo; com mais forte razão quando o sucesso é fabuloso.

Acrescenta que com o dinheiro gasto em Lyon com essas inépcias, facilmente teriam sido criados mais leitos nos hospícios de alienados daquela cidade, superlotados desde a invasão do Espiritismo. É verdade que seriam precisos trinta a quarenta mil leitos, só em Lyon, já que todos os espíritas são loucos. Por outro lado, visto que são inépcias, nenhum valor possuem. Por que, então, lhes dar as honras de tantos sermões, pastorais e brochuras? Quanto à questão do emprego de dinheiro, sabemos que em Lyon muita gente, por certo animada de maus sentimentos, havia dito que os dois milhões fornecidos por esta cidade aos cofres de São Pedro teriam dado mais pão a muitos operários infelizes durante o inverno, ao passo que a leitura dos livros espíritas lhes deu coragem e resignação para suportar sua miséria sem revolta.

O Pe. Nampon não é feliz em suas citações. Numa passagem de O Livro dos Espíritos ele nos faz dizer: “Há tanta distância entre a alma do animal e a alma do homem, quanto entre a alma do homem e a alma de Deus.” (Nº 597). Nós dissemos: …quanto entre a alma do homem e Deus, o que é muito diferente. A alma de Deus implica uma espécie de assimilação entre Deus e as criaturas corpóreas. Compreende-se a omissão de uma palavra por inadvertência ou erro tipográfico; mas não se acrescenta uma palavra sem intenção. Por que essa adição, que desnatura o sentido do pensamento, senão para dar um tom materialista aos olhos dos que se contentarem em ler a citação sem a verificar no original? Um livro que apareceu pouco antes de O Livro dos Espíritos, e que contém toda uma teoria cosmogônica, faz de Deus um ser muito diversamente material, porque composto de todos os globos do Universo, moléculas do ser universal, que tem um estômago, come e digere, e do qual os homens são o mau produto de sua digestão; contudo, nem uma palavra foi dita para o combater: todas as cóleras se concentraram sobre O Livro dos Espíritos. Será, talvez, porque em seis anos chegou à décima edição e espalhou-se em todos os países do mundo?

Não se contentam em criticar: truncam e desnaturam as máximas para aumentar o horror que deve inspirar essa abominável doutrina e nos pôr em contradição conosco mesmo. É assim que diz o Pe. Nampon, citando uma frase da introdução de O Livro dos Espíritos, página XXXIII: “Certas pessoas, dizei vós mesmos, entregando-se a esses estudos perderam a razão.” Damos assim a impressão de reconhecer que o Espiritismo conduz à loucura, ao passo que, lendo todo o parágrafo XV, a acusação cai precisamente sobre aqueles que a lançam. É assim que, tomando um trecho da frase de um autor, poderíamos levá-lo à forca. Os mais sagrados autores não escapariam a essa dissecção. É com tal sistema que certos críticos esperam mudar as tendências do Espiritismo e fazer crer que ele preconiza o aborto, o adultério, o suicídio, quando demonstra peremptoriamente a sua criminalidade e as funestas consequências para o futuro.


11. – O Pe. Nampon chega mesmo a apropriar-se de citações feitas com o objetivo de refutar certas ideias. “O autor – diz ele – às vezes chama Jesus-Cristo Homem-Deus; mas alhures (O Livro dos Médiuns, página 368), num diálogo com um médium que, tomando o nome de Jesus lhe dizia: “Eu não sou Deus, mas sou seu filho”, logo replica: “Então sois Jesus? Sim – acrescenta o Pe. Nampon – Jesus é chamado Filho de Deus, mas na acepção ariana, não sendo, portanto, consubstancial com o Pai.”

Antes de mais, não era o médium que se fazia passar por Jesus, mas um Espírito, o que é muito diferente. A citação é feita precisamente para mostrar a velhacaria de certos Espíritos e prevenir os médiuns contra seus subterfúgios. Pretendeis que o Espiritismo negue a divindade do Cristo ou vistes tal proposição formulada em princípio? É, dizeis vós, a consequência de toda a doutrina. Ah! se entrarmos no terreno das interpretações, poderemos ir mais longe do que quereis. Se disséssemos, por exemplo, que o Cristo não tinha chegado à perfeição, que teve necessidade das provas da vida corpórea para progredir; que a sua paixão lhe tinha sido necessária para subir em glória, teríeis razão, porque dele não faríamos sequer um Espírito puro, enviado à Terra com missão divina, mas um simples mortal, a quem o sofrimento era necessário, a fim de progredir. Onde encontrais que tenhamos dito isto? Pois bem! aquilo que nunca dissemos, que jamais diremos, sois vós que dizeis.

Ultimamente temos visto, no parlatório de uma casa religiosa de Paris, a seguinte inscrição, impressa em letras grandes e afixada para a instrução de todos: “Foi preciso que o Cristo sofresse para entrar na sua glória, e não foi senão depois de ter bebido a longos sorvos na torrente da tribulação e do sofrimento que foi elevado ao mais alto dos céus.” (Salmo 110, v. 7.) É o comentário deste versículo, cujo texto é: “Ele beberá no caminho a água da torrente e é por ali que erguerá a cabeça (De torrente in via bibet: propterea exultabit caput [Psalmorum])”. n Se, pois, “foi preciso que o Cristo sofresse para entrar na sua glória; se não pôde ser elevado ao mais alto dos céus senão pelas tribulações e pelo sofrimento”, é que antes nem estava na glória nem no mais alto dos céus; por conseguinte não era Deus. Seus sofrimentos, pois, não aproveitavam somente à Humanidade, desde que necessários ao seu próprio adiantamento. Dizer que o Cristo tinha necessidade de sofrer para elevar-se é dizer que não era perfeito antes de sua vinda. Não conhecemos protesto mais enérgico contra a sua divindade. Se tal é o sentido do versículo do salmo que se canta nas vésperas  n  todos os domingos cantam a não divindade do Cristo.

Com o sistema de interpretação vai-se muito longe, dizíamos nós. Se quiséssemos citar a de alguns concílios sobre este outro versículo: “O Senhor está a vossa direita; ele destruirá os reis no dia de sua cólera”,  ( † ) seria fácil provar que daí foi tirada a justificação do regicídio.


12. – Diz ainda o Pe. Nampon: “A vida muda inteiramente de aspecto (com o Espiritismo). A imortalidade da alma reduz-se a uma permanência material, sem identidade moral, sem consciência do passado.”

É um erro. O Espiritismo jamais disse que a alma ficasse sem consciência do passado. Ela perde momentaneamente a sua lembrança durante a vida corpórea, mas “quando o Espírito volta à vida anterior (a vida espírita), diante dos olhos se lhe estende toda a sua vida pretérita. Vê as faltas que cometeu e que deram causa ao seu sofrer, assim como de que modo as teria evitado. Reconhece justa a situação em que se acha e busca então uma existência capaz de reparar a que acaba de transcorrer.” (O Livro dos Espíritos, nº 393.) Uma vez que há lembrança do passado, consciência do ser, há então, identidade moral; desde que a vida espiritual é a vida normal do Espírito, que as existências corpóreas não passam de pontos na vida espírita, a imortalidade não se reduz a uma permanência material. Como se vê, o Espiritismo diz exatamente o contrário. Desnaturando-o assim, o Pe. Nampon não tem a desculpa da ignorância, porque suas citações provam que leu, mas se equivoca ao truncar citações e ao fazê-lo dizer o contrário do que diz.


13. – O Espiritismo é acusado por alguns de estribar-se no mais grosseiro materialismo, porque admite o perispírito, que tem propriedades materiais. É ainda uma falsa consequência, tirada de um princípio referido incompletamente. O Espiritismo jamais confundiu a alma com o perispírito, que não passa de um envoltório, como o corpo é um outro. Tivesse ela dez envoltórios e isto nada tiraria à sua essência imaterial. Já o mesmo não se dá com a doutrina adotada pelo concílio de Viena,  †  no Dauphiné,  †  na sua segunda sessão, em 3 de abril de 1312. Segundo essa doutrina, “a autoridade da Igreja ordena crer que a alma não passa da forma substancial do corpo; que não há ideias inatas e declara heréticos os que negarem a materialidade da alma.” Raul Fornier, professor de Direito ensina positivamente a mesma coisa em seus discursos acadêmicos, impressos em Paris em 1619, com aprovação e elogios de vários doutores em teologia.

É provável que o concílio, baseando-se nos fatos de numerosas manifestações espíritas visíveis e tangíveis, referidas nas Escrituras, manifestações que não deixam de ser materiais, pois ferem os sentidos, tenha confundido a alma com o envoltório fluídico ou perispírito, cuja distinção o Espiritismo demonstra. Sua doutrina é, pois, menos materialista que a do concílio.


14. – “Mas abordemos sem hesitar o homem da França, que é o mais adiantado nesses estudos. Para constatar a identidade do Espírito que fala, é preciso, diz o Sr. Allan Kardec, estudar sua linguagem. Pois bem! Que seja! Conhecemos por seus escritos autênticos o pensamento certo e, conseguintemente, a linguagem de São João, São Paulo, Santo Agostinho, Fénelon, etc. Como, pois, em vossos livros, ousais atribuir a esses grandes gênios pensamentos e sentimentos inteiramente contrários aos que ficaram para sempre consignados em suas obras?”

Assim, admitis que essas personagens em nada se enganaram; que tudo quanto escreveram é a expressão da verdade; que se hoje voltassem corporalmente deveriam ensinar tudo o que ensinaram outrora; que, vindo como Espírito, não devem renegar nenhuma de suas palavras. Entretanto, Santo Agostinho olhava como heresia a crença na redondeza da Terra e nos antípodas. Sustentava a existência dos íncubos e súcubos e acreditava na procriação pelo comércio dos homens com os Espíritos. Credes que a tal respeito e como Espírito não possa pensar de modo diverso do que pensava como homem e que hoje professasse essas doutrinas? Se suas ideias houveram de modificar-se em certos pontos, podem perfeitamente ter sido mudadas em outros. Se se enganou, logo ele, gênio incontestavelmente superior, por que vós mesmos não vos enganaríeis? Para respeitar a ortodoxia será preciso negar a Agostinho o direito, melhor dizendo, o mérito de retratar-se de seus erros?


15. – “Atribuís a São Luís esta sentença ridícula, sobretudo em sua boca, contra a eternidade das penas: Supor Espíritos incuráveis é negar a lei do progresso.” (O Livro dos Espíritos, nº 1007.)

Não é assim que ela é formulada. À pergunta: Haverá Espíritos que nunca se arrependam? respondeu São Luís: “Há os de arrependimento muito tardio; porém, pretender-se que nunca se melhorarão fora negar a lei do progresso e dizer que a criança não pode tornar-se homem.” A primeira forma poderia parecer ridícula. Por que, então, sempre truncar e desnaturar as frases? A quem pensam enganar? aos que apenas lerem esses comentários inexatos? Mas seu número é muito pequeno, perto dos que querem conhecer o fundo das coisas sobre as quais vós mesmos chamais a atenção. Ora, a comparação não pode senão favorecer o Espiritismo.


Nota. – Para a edificação de todos, recomendamos a leitura da brochura intitulada: Do Espiritismo, pelo Rev. Pe. Nampon [Adrien Nampon], da Companhia de Jesus, Livraria Girard et Josserand, Lyon, place Bellecour, nº 30; Paris, rue Cassette, nº 5. Rogamos também ler em O Livro dos Espíritos e em O Livro dos Médiuns os textos completos, citados resumidamente ou deturpados na brochura acima referida. [Vide ainda do Pe. Nampon Catholic doctrine as defined by the Council of Trent - Google Books.]



[1] [L’Eglise Catholique Française de Monseigneur Chatel.]


[2] Discurso pregado na igreja primacial de São João Batista, na presença de Sua Eminência o cardeal arcebispo de Lyon, nos dias 14 e 21 de dezembro de 1862, pelo reverendo padre Nampom, da Companhia de Jesus, pregador do Advento. [Du Spiritisme. Par Adrien Nampon - Google Books.]


[3] [La Question du surnaturel ou la grâce, le merveilleux, le …, Ambroise Matignon - Google Books.]


[4] [Question des esprits: ses progrès dans la science…, Jules Eudes Mirville - Google Books.]


[5] N. do T.: Conforme a versão francesa de Lemaitre de Sacy. [A versão de Lemaitre de Sacy é bilíngue (latim/francês). Todos os capítulos do Testamento Divino possuem um link para a versão latina. A presente citação é do Psalmorum.]


[6] N. do T.: Na liturgia católica, a parte do ofício divino que ocorre à tarde, entre 15 e 18 horas. (Grifo nosso).


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