O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

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Revista espírita — Ano IV — Janeiro de 1861.

(Idioma francês)

A Bibliografia Católica contra o Espiritismo.

(Sumário)

1. — Até este momento o Espiritismo não havia sido atacado seriamente. Quando certos escritores da imprensa periódica, em seus momentos de lazer, se dignaram ocupar-se dele, foi apenas para o ridicularizar. Trata-se de encher um rodapé, de fornecer um artigo a tanto por linha, não importa sobre que assunto, desde que a contagem dê certo. De que matéria tratar? Tratarei de tal coisa? pergunta a si mesmo o redator encarregado da parte recreativa do jornal. Não; é muito séria. E daquela outra? É assunto por demais repetido. Inventarei uma autêntica aventura da alta sociedade, ou da gente do povo? Nada me vem à mente neste quarto de hora e a crônica escandalosa da semana ainda está por fazer. Ah! tive uma ideia! Achei o meu assunto! Vi em algum o título de um livro que fala de Espíritos; e há em toda parte gente bastante tola para levar isto a sério. Que são os Espíritos? Nada sei sobre o assunto, mas pouco me importa! Deve ser divertido. Para falar a verdade, eu não acredito absolutamente em Espíritos, porque jamais os vi e mesmo que visse também não acreditaria, porque isso é impossível. Assim, nenhum homem de bom-senso pode crer neles. Ou isto é lógico, ou não me conheço. Falemos, pois, dos Espíritos, uma vez que estão na ordem do dia. Tanto esse assunto, como qualquer outro, divertirá nossos caros leitores. O tema é muito simples: “Não há Espíritos; não pode nem deve havê-los. Assim, todos que neles creem são loucos. Mãos à obra e fantasiemos a coisa. Ó meu bom gênio! eu te agradeço por esta inspiração! Tu me tiras de um grande embaraço, pois nada há a dizer e preciso de meu artigo para amanhã, e dele não fazia a menor ideia”.


2. — Mas eis um homem sério que diz: É um erro brincar com essas coisas; isto é mais sério do que se pensa; não acrediteis que se trate de moda passageira: essa crença é inerente à fraqueza da Humanidade, que em todas as épocas acreditou no maravilhoso, no sobrenatural, no fantástico. Quem imaginaria que em pleno século XIX, num século de luzes e de progresso, depois que Voltaire demonstrou tão bem que só o nada nos espera, depois de tantos sábios que procuraram a alma e não a encontraram, ainda se possa acreditar em Espíritos, em mesas girantes, em feiticeiros, em magos, no poder de Merlin o encantador, na varinha mágica, na Senhorita Lenormand? Ó Humanidade! Humanidade! aonde irás se eu não vier em teu auxílio para tirar-te do lamaçal da superstição? Quiseram matar os Espíritos pelo ridículo, e não o conseguiram; longe disso, o mal contagioso faz incessantes progressos; a zombaria parece fazer-lhe recrudescer e, se não for posto um freio, em breve a Humanidade inteira estará infestada. Considerando-se que esse meio, habitualmente tão eficaz, tornou-se impotente, é tempo que os sábios interfiram, a fim de acabar com isso de uma vez por todas. As zombarias não são argumentos; falemos em nome da Ciência; demonstremos que em todas as épocas os homens foram imbecis por acreditarem que houvesse um poder superior ao deles; que não tivessem em si mesmos todo o poder sobre a Natureza. Provemos-lhes que tudo quanto atribuem às forças sobrenaturais se explica por simples leis da fisiologia; que a sobrevivência da alma e o seu poder de comunicar-se com os vivos é uma quimera, e que é loucura acreditar no futuro. Se, depois de ter digerido quatro volumes de boas razões, eles não se convenceram, não nos restará senão lamentar a sorte da Humanidade que, em vez de progredir, retrograda a largos passos para a barbárie da Idade Média e corre para a sua perda.

Que o Sr. Figuier possa revelar suas verdadeiras intenções, porquanto seu livro [História do maravilhoso e do sobrenatural], tão pomposamente anunciado, tão elogiado pelos campeões do materialismo, produziu um resultado diametralmente oposto ao que esperava.


3. — Mas eis que surge um novo campeão, que pretende esmagar o Espiritismo por outro meio: trata-se do Sr. Georges Gandy, redator da Bibliographie Catholique — Google Books, atirando-se num corpo-a-corpo em nome da religião ameaçada. E vejam só! a religião ameaçada por aquilo a que chamais de utopia! Tendes, pois, bem pouca fé em sua força; acreditais, assim, na sua vulnerabilidade, desde que temeis que as ideias de alguns sonhadores possam abalar os seus fundamentos; assim, considerais esse inimigo deveras temível, para o atacar com tanta raiva e furor. Obtereis resultado melhor que os outros? Duvidamo-lo, já que a cólera é má conselheira. Se conseguirdes amedrontar algumas almas timoratas, não receais acender a curiosidade num maior número de outras? Julgai-o pelo fato seguinte. Numa cidade que conta com certo número de espíritas e com alguns grupos íntimos que se ocupam das manifestações, um pregador fez certo dia um sermão virulento contra o que chamava a obra do demônio, pretendendo que só este vinha falar nessas reuniões satânicas, cujos membros estavam todos notoriamente votados à danação eterna. Que aconteceu? Desde o dia seguinte bom número de ouvintes se pôs em busca das reuniões espíritas, pedindo para ouvir os diabos falarem, curiosos de saber o que lhes diriam; porque tanto se tem falado que a gente se familiarizou com um nome que já não incute medo. Ora, nessas reuniões eles viram pessoas sérias, honradas, instruídas, orando a Deus, coisa que não faziam desde a primeira comunhão; pessoas que acreditavam em sua alma, em sua imortalidade, nas penas e recompensas futuras, trabalhando para se tornarem melhores, esforçando-se por praticar a moral do Cristo, não falando mal de ninguém, nem mesmo dos que lhes lançavam anátemas. Então aquelas criaturas compreenderam que se o diabo ensinava tais coisas é que se havia convertido. Quando os viram tratar respeitosa e piamente com os seus parentes e amigos mortos, que lhes prodigalizava consolação e sábios conselhos, não puderam admitir que tais reuniões fossem sucursais do sabbat,  †  considerando-se que não viam caldeiras, nem vassouras, nem corujas, nem gatos pretos, nem crocodilos, nem livros de magia, nem trípode, nem varinhas mágicas ou quaisquer outras acessórios de feitiçaria, nem mesmo a velha de queixo e nariz aduncos. Também quiseram conversar, um com sua mãe, outro com o filho querido, parecendo-lhes difícil, ao reconhecê-los, que essa mãe e esse filho fossem demônios. Felizes por terem a prova de sua existência e a certeza de se reencontrarem num mundo melhor, perguntaram-se com que objetivo haviam querido amedrontá-los, suscitando-lhes reflexões que jamais tinham imaginado. O resultado é que gostaram mais de ir ali onde encontravam consolações, do que aos locais em que eram amedrontados.

Como vimos, esse pregador enveredou por caminho errado, sendo o caso de se dizer: Mais vale um inimigo que um amigo incompetente. O Sr. Georges Gandy espera ser mais feliz? Nós o citamos textualmente, para edificação dos nossos leitores:

“Em todas as épocas das grandes provas da Igreja e de seus próximos triunfos houve contra ela conspirações infernais, nas quais a ação dos demônios era visível e tangível. Jamais a teurgia e a magia tiveram mais voga no seio do paganismo e da filosofia, do que no momento em que o Cristianismo se espalhava no mundo, para o subjugar. No século XVI, Lutero teve colóquios com Satã, e um redobramento de feitiçarias, de comunicações diabólicas se fez notar na Europa, enquanto na Igreja se operava a grande reforma católica que iria triplicar suas forças, quando um novo mundo lhe abria destinos gloriosos sobre um espaço imenso. No século XVIII, na véspera do dia em que o machado dos carrascos deveria retemperar a Igreja no sangue de novos mártires, a demonolatria florescia no cemitério de Saint-Médard,  †  ao redor das tinas de Mesmer e dos espelhos de Cagliostro. Hoje, na grande luta do catolicismo contra todas as potências do inferno, a conspiração de Satã veio visivelmente em auxílio do filosofismo; o inferno quis dar, em nome do naturalismo, uma consagração à obra de violência e de astúcia que continua promovendo já há quatro séculos e que se apresta para coroar com uma suprema impostura. Aí reside todo o segredo da pretensa doutrina espírita, amontoado de absurdos, de contradições, de hipocrisia e de blasfêmias, como veremos a seguir, e que tenta, como a última das perfídias, glorificar o Cristianismo para o aviltar, espalhá-lo para o suprimir, afetando respeito pelo divino Salvador, a fim de arrancar na Terra tudo que Ele fecundou com seu sangue e substituir o seu reino imortal pelo despotismo dos ímpios devaneios.

“Abordando o exame dessas estranhas pretensões, que julgamos ainda não suficientemente desvendadas e condenadas, pedimos aos nossos leitores a gentileza de acompanharem nossa caminhada, um tanto longa, nessa encruzilhada diabólica, de onde a seita espera sair vitoriosa depois de haver abolido para sempre o nome divino, ante o qual a vemos dobrar os joelhos. A despeito de seus ridículos, de suas profanações revoltantes, de suas contradições sem fim, o Espiritismo constitui para nós precioso ensinamento. Jamais as loucuras do inferno haviam rendido à nossa santa religião mais deslumbrante homenagem. Jamais o havia Deus condenado com mais soberano poder, a confirmar-se pelo testemunho destas palavras do divino Mestre: Vos ex patre diabolo estis”. ( † )


4. — Este começo permite julgar a amenidade do resto. Os nossos leitores que quiserem edificar-se nessa fonte de caridade evangélica poderão permitir-se o prazer de ler a Bibliographie Catholique, nº 3, de setembro de 1860, Rua de Sèvres,  †  nº 31. Ainda uma vez, por que tanta cólera, tanto fel contra uma doutrina que, como dizem, se é obra de Satã, não poderá prevalecer contra a obra de Deus, a menos que se suponha seja Deus menos poderoso que Satã, o que seria um tanto ímpio? Duvidamos muito que essa irrupção de injúrias, essa febre, essa profusão de epítetos de que o Cristo jamais se serviu contra os seus maiores inimigos, sobre os quais clamava a misericórdia de Deus e não a sua vingança, ao dizer: “Perdoai-lhes, Senhor, pois não sabem o que fazem”; ( † ) duvidamos — insistimos — que uma tal linguagem seja persuasiva. A verdade é calma e não necessita de exaltação; e, com tal raiva, faríeis crer na vossa própria fraqueza. Confessamos não compreender bem esta singular política de Satã, que glorifica o Cristianismo para o aviltar, que o espalha para o suprimir. Em nossa opinião isto revelaria muita falta de habilidade e se assemelharia a um hortelão que, não querendo batatas, as semeasse em profusão em seu horto, a fim de lhes destruir a espécie. Quando acusamos os outros de pecar por falta de raciocínio, devemos, para ser lógicos, começar por nós mesmos.

Não sabemos muito bem por que o Sr. Georges Gandy acusa mortalmente o Espiritismo por se apoiar no Evangelho e no Cristianismo. Que diria então se se apoiasse em Maomé? Certamente muito menos, porquanto é fato digno de nota que o Islamismo, o Judaísmo, o próprio Budismo são objeto de ataques menos virulentos que as seitas dissidentes do Cristianismo. Com certa gente, é preciso ser tudo ou nada. Há, sobretudo, um ponto que o Sr. Gandy não perdoa ao Espiritismo: é o de não haver proclamado esta máxima absoluta: “Fora da Igreja não há salvação”, e admitir que aquele que faz o bem possa ser salvo das chamas eternas, seja qual for a sua crença. Evidentemente, uma tal doutrina só poderia sair do inferno. Mas ele se trai principalmente nesta passagem:

“Que quer o Espiritismo? É uma importação americana, inicialmente protestante, e que já havia triunfado -permitam-nos dizê-lo — sobre todas as plagas da idolatria e da heresia; tais são os seus títulos em relação ao mundo. Seria, pois, das terras clássicas da superstição e das loucuras religiosas que nos viriam a verdade e a sabedoria!”

Eis aqui, por certo, uma grande ofensa. Se ele houvesse nascido em Roma  †  seria a voz de Deus; como, porém, nasceu num país protestante, é a voz do diabo. Mas o que direis quando tivermos provado, o que faremos um dia, que ele estava na Roma cristã muito antes de estar na América protestante? Que respondereis ao fato, hoje constatado, de que há mais espíritas católicos do que espíritas protestantes?

O número das pessoas que em nada creem, que de tudo duvidam, do próprio Deus, é considerável e cresce numa proporção assustadora. Será por vossas violências, vossos anátemas, vossas ameaças do inferno, vossas declamações furibundas que as reconduzireis? Não, porque são as vossas próprias violências que as afastam. Serão culpados por haverem levado a sério a caridade, a mansuetude do Cristo e a bondade infinita de Deus? Ora, quando elas ouvem os que pretendem falar em seu nome, proferindo ameaças e injúrias, põem-se a duvidar do Cristo, de Deus, de tudo, enfim. O Espiritismo as faz compreender palavras de paz e de esperança e, como lhes pesa a dúvida e sentem necessidade de consolações, atiram-se aos braços do Espiritismo, porque preferem aquilo que sorri às coisas que apavoram. Então creem em Deus, na missão do Cristo é na sua divina moral. Numa palavra, de incrédulos e indiferentes, tornam-se crentes. Foi isto que ultimamente levou um padre respeitável a responder a uma de suas penitentes que o consultava sobre o Espiritismo: “Nada acontece sem a permissão de Deus; ora, Deus permite essas coisas para reavivar a fé que se extingue”. Se houvera empregado outra linguagem, talvez a tivesse afastado para sempre. Quereis a todo custo que o Espiritismo seja uma seita, quando ele não aspira senão ao título de ciência moral e filosófica, respeitando todas as crenças sinceras. Por que, então, dar uma ideia de separação àqueles que não pensam nisso? Se repelirdes os que ele reconduz à crença em Deus, se só lhes derdes o inferno como perspectiva, sereis responsáveis por uma cisão que vós mesmos tereis provocado.

São Luís nos dizia um dia: “Zombaram das mesas girantes; jamais zombarão da filosofia, da sabedoria e da caridade que brilham nas comunicações sérias”. ( † ) Enganou-se, porque não contou com o Sr. Georges Gandy. Muitas vezes os escritores se divertiram à custa dos Espíritos e de suas manifestações, sem pensar que um dia eles mesmos poderiam ser alvo das piadas de seus sucessores; porém, sempre respeitaram a parte moral da ciência. No entanto, foi reservado a um escritor católico, o que lamentamos sinceramente, expor ao ridículo as máximas admitidas pelo mais elementar bom-senso. Cita grande número de passagens de O Livro dos Espíritos; não aludiremos senão a algumas delas, que darão uma ideia perfeita de sua apreciação. — “Deus prefere os que o adoram do fundo do coração aos que o adoram exteriormente . O texto de O Livro dos Espíritos diz: “Deus prefere os que o adoram do fundo do coração, com sinceridade, fazendo o bem e evitando o mal, aos que julgam honrá-lo com cerimônias que não os tornam melhores para com os seus semelhantes”; n O Sr. Gandy admite o inverso; mas, como homem de boa-fé, deveria ter citado a passagem textualmente, em vez de truncá-la de maneira a lhe desnaturar o sentido.

— “Toda destruição de animais que excede os limites das necessidades é uma violação da lei de Deus”; n o que quer dizer que o princípio moral que rege os prazeres se aplica igualmente ao exercício da caça e da matança.

Precisamente; mas parece que o Sr. Gandy é caçador e pensa que Deus fez a caça, não para alimento do homem, mas para lhe proporcionar o prazer de, sem necessidade, promover a matança de animais inofensivos.

— “Os prazeres têm limites traçados pela Natureza: o limite do necessário; pelos excessos, chegamos à saciedade”. É a moral do virtuoso Horácio, um dos pais do Espiritismo.

Visto que o autor critica esta máxima, parece não admitir limites aos prazeres, o que não é muito religioso.

— “Para ser legítima, a propriedade deve ser adquirida sem prejuízo da lei de amor e de justiça; assim, aquele que possuir, sem preencher os deveres de caridade que ordena a consciência ou a razão individual, é um usurpador do bem alheio; espiriticamente estamos em pleno socialismo.”

O texto diz assim: “Só é legítima a propriedade adquirida sem prejuízo de outrem. A lei de amor e de justiça proíbe fazer a outrem o que não gostaríamos que nos fosse feito; condena, por isso mesmo, todo meio de aquisição que lhe seja contrário”. Lá não se encontra: que ordena a razão individual; é uma pérfida adição. Não julgamos que se possa, em sã consciência, possuir à custa de justiça; o Sr. Gandy deveria dizer-nos em que casos a espoliação é legítima. Felizmente, os tribunais não são de sua opinião.

— “A indulgência aguarda, fora desta vida, o suicida que se vê a braços com a necessidade, que quis impedir caísse a vergonha sobre os seus filhos, ou sobre a sua família. Aliás, São Luís, de cujas funções espíritas falaremos em breve, se digna revelar-nos que há escusas para os suicídios por amor. Quanto às penas do suicida, elas não são determinadas; o que é certo é que ele não escapa ao desapontamento; em outras palavras, é pego na armadilha, como se diz vulgarmente neste mundo”.

Esta passagem está inteiramente desnaturada pelas exigências da crítica do Sr. Gandy; seria preciso mencionar sete páginas para restabelecer o seu texto. Com tal sistema seria fácil tornar ridículas as mais belas páginas dos nossos melhores escritores. Parece que o Sr. Gandy não admite gradação nem nas faltas, nem nas penalidades de além-túmulo. Acreditamos num Deus mais justo e desejamos que o Sr. Gandy jamais tenha que reclamar em seu favor o benefício das circunstâncias atenuantes.

— “A pena de morte e a escravidão foram, são e serão contrárias à lei da Natureza. O homem e a mulher, sendo iguais perante Deus, devem ser.iguais perante os homens”. Terá sido a alma errante de algum saint-simonista n apavorado, à procura da mulher livre, que presenteou essa maliciosa revelação ao Espiritismo?”

Assim a pena de morte, a escravidão e a submissão da mulher, que a civilização tende a abolir, são instituições que o Espiritismo não tem direito de condenar. Ó tempos felizes da Idade Média, por que passastes sem retorno? Onde estais, fogueiras, que nos teríeis livrado dos Espíritos?

Citemos uma última passagem, das mais benignas:

“O Espiritismo não pode negar uma tal salada de contradições, de absurdos e de loucuras, que não pertencem a nenhuma filosofia, nem a nenhuma língua. Se Deus permite essas manifestações ímpias, é que deixa aos demônios, conforme ensina a Igreja, o poder de enganar os que os chamam, violando a sua lei.”

Então o demônio é bonzinho, porque, sem o querer, nos faz amar a Deus.

“Quanto à verdade, a Igreja no-la dá a conhecer; ela nos diz, com os Livros Sagrados, que o anjo das trevas se transforma em anjo da luz, e que seria necessário recusar até mesmo o testemunho de um arcanjo, caso fosse contrário à doutrina do Cristo, de cuja infalível autoridade é depositária; aliás ela tem meios seguros e evidentes para distinguir as seduções diabólicas das manifestações divinas.”

De fato é uma grande verdade que se deveria recusar até mesmo o testemunho de um arcanjo, caso fosse contrário à doutrina do Cristo. Ora, que diz essa doutrina, que o Cristo pregou pela palavra e pelo exemplo?

“Bem-aventurados os que são misericordiosos, porque alcançarão misericórdia”.  ( † )

“Bem-aventurados os pacíficos, porque serão chamados filhos de Deus”.  ( † )

“Aquele que se encolerizar contra seu irmão será réu de juízo; quem disser a seu irmão: Raca, será condenado pelo conselho; e qualquer que lhe disser: Louco, será condenado ao fogo do inferno.”  ( † )

“Amai os vossos inimigos, fazei o bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos perseguem e caluniam, a fim de que sejais filhos do vosso Pai que está nos céus, que faz se levante o sol sobre bons e maus, e chover sobre justos e injustos; porquanto, se não amardes senão os que vos amam, que recompensa tereis? Não fazem os publicanos o mesmo?”  ( † )

“Sede, pois, perfeitos, como perfeito é o vosso Pai que está nos céus”.  ( † )

“Não façais aos outros o que não gostaríeis que eles vos fizessem”.  ( † )

Sendo, pois, a caridade o princípio fundamental da doutrina do Cristo, concluímos que toda palavra e toda ação contrárias à caridade não podem ser, como dizeis com muita propriedade, senão inspiradas por Satã, ainda mesmo que este se revestisse da forma de um arcanjo. É por essa razão que diz o Espiritismo: Fora da caridade não há salvação. ( † )

Sobre o mesmo assunto, remetemos o leitor às nossas respostas ao jornal Univers, números de maio e julho de 1859, bem como à Gazette de Lyon, de outubro de 1860. Recomendamos igualmente aos nossos leitores, como refutação ao Sr. Gandy, a Lettre d’un catholique sur le Spiritisme, pelo Dr. Grand. Se o autor dessa brochura n está condenado ao inferno, haverá muitos outros e ali veríamos — coisa estranha — os que pregam a caridade para todos, enquanto o Céu seria reservado àqueles que lançam anátemas e maldição. Estaríamos singularmente equivocados quanto ao sentido das palavras do Cristo.

A falta de espaço obriga-nos a deixar para o próximo número algumas palavras em resposta ao Sr. Deschanel, do Journal des Débats.



[1] N. do T.: O Livro dos Espíritos, questão 654.


[2] N. do T.: O Livro dos Espíritos, questão 735.


[3] N. do T.: Grifos nossos. [Saint-simonista, sectário da escola política e social do Conde de Saint-Simon.]


[4] Grande in-18, preço 1 fr.; Pelo Correio: 1 fr. e 15 centavos. — No escritório da Revista Espírita e na Livraria Ledoyen, no Palais Royal.  † 


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