O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

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Revista espírita — Ano III — Dezembro de 1860.

(Idioma francês)

Arte pagã, arte cristã, arte espírita.

Na sessão da Sociedade, de 23 de novembro, tendo-se manifestado espontaneamente o Espírito de Alfred de Musset (ver detalhe adiante), foi-lhe dirigida a seguinte pergunta:

A pintura, a escultura, a arquitetura e a poesia se inspiraram sucessivamente nas ideias pagãs e cristãs. Podeis dizer-nos se, depois da arte pagã e da arte cristã, não haveria um dia a arte espírita? — O Espírito respondeu:


“Fazeis uma pergunta respondida por si mesma. O verme é verme, torna-se bicho da seda, depois borboleta. Que há de mais etéreo, de mais gracioso do que uma borboleta? Pois bem! a arte pagã é o verme; a arte cristã é o casulo; a arte espírita será a borboleta.”


Quanto mais se aprofunda o sentido dessa graciosa comparação, mais se lhe admira a exatidão. À primeira vista poder-se-ia supor que o Espírito tivesse a intenção de rebaixar a arte cristã, colocando a arte espírita no coroamento do edifício; mas não há nada disso, e basta meditar nessa imagem poética para assimilar-lhe a precisão. De fato, o Espiritismo se apoia essencialmente no Cristianismo; de modo algum vem substituí-lo: completa-o e o reveste com uma túnica brilhante. Nos primórdios do Cristianismo encontram-se os germes do Espiritismo; se eles se repelissem mutuamente, um renegaria o seu filho, e o outro, o seu pai. Comparando o primeiro ao casulo e o segundo à borboleta, o Espírito indica perfeitamente o laço de parentesco que os une. Há mais: A própria imagem descreve o caráter da arte que um inspirou e que o outro inspirará. A arte cristã teve de inspirar-se nas terríveis provações dos mártires e revestir a severidade de sua origem materna. Representada pela borboleta, a arte espírita inspirar-se-á nas vaporosas e esplêndidas paisagens da existência futura que se desvenda; deleitará a alma que a arte cristã havia tomado de admiração e de temor; será o canto de alegria após a batalha.

O Espiritismo encontra-se inteiramente na teogonia pagã, e a mitologia não passa de um quadro da vida espírita poetizada pela alegoria. Quem não reconheceria o mundo de Júpiter nos Campos Elíseos, com seus habitantes de corpos etéreos? e os mundos inferiores no Tártaro? e as almas errantes nos manes? e os Espíritos protetores da família nos lares e nos penates? no Letes, o esquecimento do passado, no momento da reencarnação? nas pitonisas, nossos médiuns videntes e falantes? nos oráculos, as comunicações com os seres do além-túmulo? A arte necessariamente teve de inspirar-se nessa fonte tão fecunda para a imaginação; mas para elevar-se até o sublime do sentimento, faltava-lhe o sentimento por excelência: a caridade cristã. Não conhecendo os homens senão a vida material, a arte procurou, antes de tudo a perfeição da forma. A beleza corporal, então, era a primeira de todas as qualidades: a arte apegou-se a reproduzi-la, a idealizá-la; mas só ao Cristianismo estava reservada a tarefa de fazer ressaltar a beleza da alma sobre a beleza da forma; assim, a arte cristã, tomando a forma na arte pagã, adicionou-lhe a expressão de um sentimento novo, desconhecido dos Antigos.

Mas, como dissemos, a arte cristã ressentiu-se da austeridade de sua origem e inspirou-se nos sofrimentos dos primeiros adeptos; as perseguições impeliram os homens a uma vida de isolamento e de reclusão, e a ideia do inferno à vida ascética. Eis por que a pintura e a escultura são inspiradas, em três quartos dos casos, pelo quadro das torturas físicas e morais; a arquitetura se reveste de um caráter grandioso e sublime, embora sombrio; a música é grave e monótona como uma sentença de morte; a eloquência é mais dogmática do que comovente; a própria beatitude é marcada pelo tédio, pela ociosidade e pela satisfação toda pessoal; aliás, encontra-se tão longe de nós, colocada tão alto, que nos parece quase inacessível; daí por que nos toca pouco, quando a vemos reproduzida na tela ou no mármore.

O Espiritismo nos mostra o futuro sob uma luz mais ao nosso alcance; a felicidade está mais perto de nós, ao nosso lado, nos próprios seres que nos cercam, com os quais podemos entrar em comunicação; a morada dos eleitos não é mais isolada: há solidariedade incessante entre o Céu e a Terra; a beatitude já não é uma contemplação perpétua, que não passaria de eterna e inútil ociosidade, mas, sim, uma constante atividade para o bem, sob o próprio olhar de Deus; não está na quietude de uma contemplação pessoal, mas no amor mútuo de todas as criaturas chegadas à perfeição. O mau já não é relegado para as fornalhas ardentes, o inferno se acha no próprio coração do culpado, que em si mesmo encontra o seu próprio castigo. Mas Deus, em sua infinita bondade, ao deixar-lhe o caminho do arrependimento, deixa-lhe, ao mesmo tempo, a esperança, essa sublime consolação do infeliz.

Que fecundas fontes de inspiração para a arte! Quantas obras-primas essas ideias novas podem criar para a reprodução de cenas tão variadas e, ao mesmo tempo, tão suaves e tão pungentes da vida espírita! Que assuntos ao mesmo tempo poéticos e palpitantes de interesse nesse incessante comércio dos mortais com os seres de além-túmulo, na presença, junto a nós, dos seres que nos são caros! Já não será a representação dos despojos frios e inanimados, mas a mãe, tendo ao seu lado a filha querida, em sua forma etérea e radiosa de felicidade; um filho ouvindo atentamente os conselhos do pai, que vela por ele; o ser pelo qual se ora, que vem testemunhar o seu reconhecimento. E, numa outra ordem de ideias, o Espírito do mal insuflando o veneno das paixões, o malvado fugindo da visão de sua vítima, que o perdoa, e o isolamento do perverso em meio à multidão que o repele, a perturbação do Espírito no momento de despertar, sua surpresa à visão de seu corpo, do qual se surpreende por estar separado, o Espírito do defunto em meio aos seus ávidos herdeiros e amigos hipócritas; e tantos outros assuntos, tanto mais capazes de impressionar quanto mais de perto tocarem a vida real. Quer o artista elevar-se acima da esfera terrestre? Encontrará temas não menos atraentes nesses mundos felizes, que os Espíritos gostam de descrever, verdadeiros Edens de onde o mal foi banido, e nesses mundos ínfimos, verdadeiros infernos onde reinam, soberanas, todas as paixões.

Sim, repetimos, o Espiritismo abre para a arte um campo novo, imenso, ainda não explorado. Quando o artista trabalhar com convicção, como o fizeram os artistas cristãos, haurirá nessa fonte as mais sublimes inspirações.

Quando dizemos que um dia a arte espírita será uma arte nova, queremos dizer que as ideias e as crenças espíritas darão às produções do gênio uma marca particular, como ocorreu com as ideias e crenças cristãs, e não que os temas cristãos caiam em descrédito; longe disso. Mas, quando um campo está respigado, o ceifador procura colher alhures, e colherá abundantemente no campo do Espiritismo. Sem dúvida já o fez, mas não de maneira tão especial quanto o fará mais tarde, quando for encorajado e estimulado pelo assentimento geral. Quando estas ideias estiverem popularizadas, o que não deve tardar, porquanto os cegos da geração atual diariamente desaparecem da cena, a geração nova terá menos preconceitos, pela própria força das coisas. A pintura se inspirou, mais de uma vez, em ideias desse gênero; a pintura, sobretudo, está cheia delas, mas estão isoladas, perdidas na multidão. Tempo virá em que elas farão surgir obras magistrais, e a arte espírita terá seus Rafael e seus Miguel-Ângelo, como a arte pagã teve seus Apeles e seus Fídias.


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