O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

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O Livro dos Médiuns.


ANEXO À EDIÇÃO BRASILEIRA.


Instruções de Allan Kardec aos espíritas do Brasil.

I. — Exortação ao estudo, à caridade e à unificação. n

Paz e amor convosco.


Que possamos ainda uma vez, unidos pelos laços da fraternidade, estudar essa doutrina de paz e de amor, de justiça e de esperanças, graças à qual encontraremos a estreita porta da salvação futura — o gozo indefinido e imorredouro para as nossas almas humildes.


Antes de ferir os pontos que fazem o objetivo da minha manifestação, devo pedir a todos vós que me ouvis — a todos vós espíritas a quem falo neste momento — que me perdoeis se porventura, na externação dos meus pensamentos, encontrardes alguma coisa que vos magoe, algum espinho que vos vá ferir a sensibilidade do coração.


O cumprimento do dever nos impõe usemos de linguagem franca, rude mesmo. Por isso que cada um de nós tem uma responsabilidade individual e coletiva e, para salvá-la, lançamos mão de todos os meios que se nos oferecem, sem contarmos, muitas vezes, com a pobreza da nossa inteligência, que não nos permite dizer aquilo que sentimos sem magoar, não raro, corações amigos, para os quais só desejamos a paz, o amor e as doçuras da caridade.


Certo de que ouvireis a minha súplica; certo de que, falando aos espíritas, falo a uma agremiação de homens cheios de benevolência, encetei o meu pequeno trabalho, cujo único fim é desobrigar-me de graves compromissos que tomei para com o nosso Criador e Pai!


Sempre compassivo e bom, volvendo os piedosos olhos à Humanidade escrava dos erros e das paixões do mundo, Deus torna uma verdade as palavras do Cristo, e manda o Consolador — o Espírito de Verdade — que abertamente fale da revelação messiânica a essa mesma Humanidade esquecida d’Aquele que foi levado pelas ruas da amargura, sob o peso das iniquidades e das ingratidões dos homens!


Corridos os séculos, desenvolvido intelectualmente o espírito humano, Deus, na sua sabedoria, achou que era chegado o momento de convidar os homens à meditação do Evangelho — precioso livro de verdades divinas — até então ensombrado pela letra, devido à deficiência da percepção humana para compreendê-lo em espírito.


Por toda a parte se fez luz revelou-se à Humanidade o Consolador prometido, recebendo os povos — de acordo com o seu preparo moral e intelectual — missões importantes, tendentes a acelerar a marcha triunfante da Boa-Nova!


Todos foram chamados: a nenhum recesso da Terra deixou de apresentar-se o Consolador em nome desse Deus de misericórdia, que não quer a morte do pecador  ( † ) — nem o extermínio dos ingratos — e sim os deseja ver remidos dos desvarios da carne, da obcecação dos instintos.


Sendo assim, a esse pedaço de terra, a que chamais Brasil, foi dada também a Revelação da Revelação, firmando os vossos Espíritos, antes de encarnarem, compromissos de que ainda não vos desobrigastes. E perdoai que o diga: tendes mesmo retardado o cumprimento deles e de graves deveres, levados por sentimentos que não convém agora perscrutar.


Ismael, o vosso Guia, tomando a responsabilidade de vos conduzir ao grande templo do amor e da fraternidade humana, levantou a sua bandeira, tendo inscrito nela — Deus, Cristo e Caridade. Forte pela dedicação, animado pela misericórdia de Deus, que nunca falta aos trabalhadores, sua voz santa e evangélica ecoou em todos os corações, procurando atraí-los para um único agrupamento onde, unidos, teriam a força dos leões e a mansidão dos pombos; onde, unidos, pudessem afrontar todo o peso das iniquidades humanas; onde, enlaçados num único sentimento — o do amor —pudessem adorar o Pai em Espírito e Verdade; onde se levantasse a grande muralha da fé, contra a qual viessem quebrar-se todas as armas dos inimigos da Luz; onde finalmente, se pudesse formar um grande dique à onda tempestuosa das paixões, dos crimes e dos vícios que avassalam a Humanidade inteira!


Constituiu-se esse agrupamento; a voz de Ismael foi sentida nos corações. Mas, à semelhança das sementes lançadas no pedregulho, elas não encontram terra boa para as suas raízes, e quando aquele anjo bom — aquele Enviado de Deus — julgava ter em seu seio amigos e irmãos capazes de ajudá-lo na sua grande tarefa, santa e boa, as sementes foram mirrando ao fogo das paixões, foram-se encravando na rocha, apesar de o orvalho da misericórdia divina as banhar constantemente para sua vivificação.


Ali, onde a humildade devera ter erguido tenda, o orgulho levantou o seu reduto; ali, onde o amor devia alçar-se, sublime e esplêndido, até junto ao Cristo, a indiferença cavou sulcos, à Justiça se chamou injustiça, à fraternidade — dissensão!


Mas, pela ingratidão de uns, haveria de sacrificar-se a gratidão e a boa vontade de outros?


Pelo orgulho dos que já se arvoraram em mestres na sua ignorância, havia de sacrificar-se a humildade do discípulo perfeitamente compenetrado dos seus deveres? Não!


Assim, quando os inimigos da Luz — quando o Espírito das trevas julgava esfacelada a bandeira de Ismael, símbolo da trindade divina; quando a voz iníqua já reboava no Espaço, glorificando o reino das trevas e amaldiçoando o nome do Mártir do Calvário, ele recolheu o seu estandarte e fez que se levantasse pequena tenda de combate com o nome — Fraternidade!


Era este, com certeza, o ponto para o qual deviam convergir todas as forças dispersas — todos os que não recebiam a semente do pedregulho.


Certos de que acaso é palavra sem sentido, e testemunhas dos fatos que determinaram o levantamento dessa tenda, todos os espíritas tinham o dever sagrado de vir aqui se agruparem — ouvir a palavra sagrada do bom Guia Ismael — único que dirige a propaganda da Doutrina nesta parte do planeta e único que tem a responsabilidade da sua marcha e desenvolvimento.


Mas, infelizmente, meus amigos, não pudestes compreender ainda a grande significação da palavra — Fraternidade!


Não é um termo, é um fato; não é uma palavra vazia, é um sentimento, sem o qual vos achareis sempre fracos para essa luta que vós mesmos não podeis medir, tal a sua extraordinária grandeza!


Ismael tem o seu Templo, e sobre ele a sua bandeira — Deus, Cristo e Caridade! Ismael tem a sua pequenina tenda, onde procura reunir todos os seus irmãos — todos aqueles que ouviram a sua palavra e a aceitaram por verdadeira: chama-se Fraternidade!


Pergunto-vos: Pertenceis à Fraternidade? Trabalhais para o levantamento desse Templo cujo lema é: Deus, Cristo e Caridade?


Como, e de que modo?


Meus amigos! É possível que eu seja injusto para convosco naquilo que vou dizer: o vosso trabalho, feito todo de acordo — não com a Doutrina — mas com o que interessa exclusivamente aos vossos sentimentos, não pode dar bom fruto. Esse trabalho, sem regime, sem disciplina, só pode, de acordo com a doutrina que esposastes, trazer espinhos que dilacerem vossas almas, dores pungentes aos vossos Espíritos, por isso que, desvirtuando os princípios em que ela assenta, dais entrada constante e funesta àquele que, encontrando-vos desunidos pelo egoísmo, pelo orgulho, pela vaidade, facilmente vos acabrunhará com todo o peso da sua iniquidade.


Entretanto, dar-se-ia o mesmo se estivésseis unidos? Porventura acreditais na eficiência de um grande exército dirigido por diversos generais, cada qual com o seu sistema, com o seu método de operar e com pontos de mira divergentes? Jamais! Nessas condições só encontrareis a derrota, porquanto — vede bem —, o que não podeis fazer com o Evangelho: unir-vos pelo amor do bem, fazem os vossos inimigos, unindo-se pelo amor do mal!


Eles não obedecem a diversas orientações, nem colimam objetivos diversos; tudo converge para a Doutrina Espírita —  Revelação da Revelação — que não lhes convém e que precisam destruir, para o que empregam toda a sua inteligência, todo o seu amor do mal, submetendo-se a uma única direção!


A luta cresce dia a dia, pois que a vontade de Deus, iniciando as suas criaturas nos mistérios da vida de além-túmulo, cada vez mais se torna patente. Encontrando-se, porém, os vossos Espíritos em face da Doutrina, no estado precário que acabo de assinalar, pergunto: — Com que elemento contam eles, os vossos Espíritos, na temerosa ação em que se vão empenhar, cheios de responsabilidade?


Em que canto da Terra já se ergue o grande tabernáculo onde ireis elevar os vossos pensamentos; em que canto da Terra construístes a grande muralha contra a qual se hão de quebrar as armas dos vossos adversários?


Será possível que, à semelhança das cinco virgens pouco zelosas, todo o cuidado da vossa paz tenhais perdido? Que conteis com as outras, que não dormem e que ansiosamente aguardam a vinda do seu Senhor?


Mas, se é assim, em que consiste o aproveitamento das lições que constantemente vos são dadas a fim de tornar uma verdade a vossa vigilância e uma santidade a vossa oração?


Se assim é, onde os frutos desse labor fecundo de todos os dias, dos vossos amigos de além-túmulo?


Acaso apodreceram roídos pela traça — tocados pelo bolor os vossos arquivos repletos de comunicações?


Onde, torno a perguntar, a segurança da vossa fé, a estabilidade da vossa crença, se, tendo uma única doutrina para apoio forte e inabalável, a subdividis, a multiplicais ao capricho das vossas individualidades, sem contar com a coletividade que vos poderia dar a força, se constituísseis um elemento homogêneo, perfeitamente preparado pelos que se encarregam da revelação?


Mas, onde a vantagem das subdivisões? Onde o interesse real para a Doutrina e seu desenvolvimento, na dispersão que fazeis do vosso grande todo, dando já, desse modo, um péssimo exemplo aos profanos, por isso que pregais a fraternidade e vos dividis cheios de dissensões?


Onde as vantagens de tal proceder? Estarão na diversidade dos nomes que dais aos Grupos? Por que isso? Será porque este ou aquele haja recebido maior doação do patrimônio divino? Será porque convenha à propaganda que fazeis?


Mas, para a propaganda, precisamos dos elementos constitutivos dela. Pergunto: — onde a escola dos médiuns? Existe?


Porventura os homens que têm a boa vontade de estudar convosco os mistérios do Criador, preparando seus Espíritos para o ressurgir da outra vida, encontram em vós os instrumentos disciplinados — os médiuns perfeitamente compenetrados do importante papel que representam na família humana e cheios dessa seriedade, que dá uma ideia da grandeza da nossa Doutrina?


Ou a vossa propaganda se limita tão somente a falar do Espiritismo? Ou os vossos deveres e as vossas responsabilidades individuais e coletivas se limitam a dar a nota do ridículo àqueles que vos observam julgando-vos doidos e visionários?


Meus amigos! Sei quanto é doloroso tudo isto que vos digo, pois que cada um dos meus pensamentos é uma dor que atinge profundamente o meu Espírito. Sei que as vossas consciências sentem perfeitamente todo o peso das verdades que vos exponho. Mas, eu vos disse ao começar: — temos responsabilidades e compromissos tomados, dos quais procuramos desobrigar-nos por todos os meios ao nosso alcance!


Se completa não está a minha missão na Terra; se mereço ainda do Senhor a graça de vir esclarecer a doutrina que aí me foi revelada, dando-vos novos conhecimentos compatíveis com o desenvolvimento das vossas inteligências; se vejo que cada dia que passa da vossa existência — iluminada pela sublime luz da revelação, sem produzirdes um trabalho à altura da graça que vos foi concedida — é um motivo de escândalo para as vossas próprias consciências; devo usar desta linguagem rude de amigo, a fim de que possais, compenetrados verdadeiramente dos vossos deveres de cristãos e de espíritas, unir-vos num grande agrupamento fraterno, onde — avigorados pelo apoio mútuo e pela proteção dos bons — possais enfrentar o trabalho extraordinário que vos cumpre realizar para emancipação dos vossos Espíritos, trabalho que inegavelmente ocasionará grande revolução na Humanidade, não só quanto à parte da Ciência e da Religião, mas também na dos costumes!


Uma vez por todas vos digo, meus amigos: — Os vossos trabalhos, os vossos labores não podem ficar no estreito limite da boa vontade e da propaganda, sem os meios elementares indicados pela mais simples razão.


Não vem absolutamente ao caso o reportar-vos às palavras de Jesus-Cristo quando disse que — a luz não se fez para ser colocada debaixo do alqueire. Não vem ao caso e não tem aplicação, porque não possuís luz própria!


Fazei a luz pelo vosso esforço; iluminai todo o vosso ser com a doce claridade das virtudes; disciplinai-vos pelos bons costumes no Templo de Ismael, templo onde se adora a Deus, se venera o Cristo e se cultiva a Caridade. Então, sim; distribuí a luz, ela vos pertence!


E vos pertence, porque é um produto sagrado do vosso próprio esforço, uma brilhante conquista do vosso Espírito — empenhado nas lutas sublimes da Verdade.


Fora desses termos, podeis produzir trabalhos que causem embriaguez à vista, mas nunca que falem sinceramente ao coração. Podeis produzir emoções fortes, por isso que muitos são os que gostosamente se entregam ao culto do maravilhoso; nunca, porém, deixarão as impressões suaves da Verdade vibrando as cordas do amor divino no grande coração humano.


Fora dessa convenção ortodoxa, é possível que as plantas cresçam nos vossos Grupos, mas é bem possível que também seus frutos sejam bastante amargos, bastante venenosos, determinando, ao contrário do que devia acontecer, a morte moral do vosso Espírito — a destruição, pela base, do vosso Templo de trabalho!


Se o Evangelho não se tornar realmente em vossos espíritos um broquel, quem vos poderá socorrer, uma vez que a Revelação tende a absorver todas as consciências, emancipando o vosso século? Se o Evangelho nas vossas mãos apenas tem a serventia dos livros profanos, que deleitam a alma e encantam o pensamento, quem vos poderá socorrer no momento dessa revolução planetária que já se faz sentir, que dará o domínio da Terra aos bons, preparados para o seu desenvolvimento, que ocasionará a transmigração dos obcecados e endurecidos para o mundo que lhes for próprio?


Que será de vós — quem vos poderá socorrer — se, à lâmpada do vosso Espírito, faltar o elemento de luz com que possais ver a chegada inesperada do Cristo, testemunhando o valor dos bons e a fraqueza moral dos maus e dos ingratos?


Se fostes chamados às bodas do filho do vosso Rei, por que não tomam os vossos Espíritos as roupagens dignas do banquete, trocando conosco o brinde do amor e da caridade pelo consórcio do Cristo com o seu povo?


Se tudo está preparado, se só faltam os convivas, por que cedeis o vosso lugar aos coxos e estropiados que, últimos, virão a ser os primeiros na mesa farta da caridade divina?


Esses pontos do Evangelho de Jesus-Cristo, apesar da Revelação, ainda não provocaram a vossa meditação?


Esse eco que reboa por toda a atmosfera do vosso planeta, dizendo — Os tempos são chegados! — será um gracejo dos enviados de Deus, com o fim de apavorar os vossos espíritos?


Será possível nos preparemos para os tempos que chegam, vivendo cheios de dissensões e de lutas, como se não constituíssemos uma única família, tendo para regência dos nossos atos e dos nossos sentimentos uma única doutrina?


Será possível nos preparemos para os tempos que chegam, dando a todo momento e a todos os instantes a nota do escândalo, apresentando-nos aos homens sob o aspecto de homens cheios de ambições, que não trepidam em lançar mão até das coisas divinas para o gozo da carne e satisfação das paixões do mundo?


Mas seria simplesmente uma obcecação do Espírito — pretender desobrigar-se dos seus compromissos e penetrar, no reino de Deus, coberto dessas paixões e dessas misérias humanas!


Isso equivaleria não acreditardes naquilo mesmo em que dizeis crer; seria zombar do vosso Criador que, não exigindo de vós sacrifício, vos pede, entretanto, não transformeis a sua casa de oração em covil de ladrões!


Meus amigos! Sem caridade não há salvação — sem fraternidade não pode haver união.


Uni-vos, pois, pela fraternidade, debaixo das vistas do bom Ismael, vosso Guia e Protetor. Salvai-vos pela Caridade, distribuindo o bem por toda a parte, indistintamente, sem pensamento oculto, àqueles que vos pedem lhes deis da vossa crença ao menos um testemunho moral, que os possa obrigar a respeitar em vós o indivíduo bem-intencionado e verdadeiramente cristão.


Sobre a propaganda que procurais fazer, exclusivamente para chamar ao vosso seio maior número de adeptos, direi — se os meios mais fáceis que tendes encontrado são a cura dos vossos irmãos obsessos, são as visitas domiciliárias e a expansão dos fluidos — aí tendes um modesto trabalho para vossa meditação e estudo.


E, lendo, compreendendo, chamai-me todas as vezes que for do vosso agrado ouvir a minha palavra e eu virei esclarecer os pontos que achardes duvidosos — virei, em novos termos, se preciso for, mostrar-vos que esse lado que vos parece fácil para a propaganda da Doutrina — é o maior escolho lançado no vosso caminho — é a pedra colocada às rodas do vosso carro triunfante — será, finalmente, o motivo da vossa queda desastrosa, se não souberdes guiar-vos com o critério exigível de quantos se empenham numa tão grande causa.


Permita Deus que os espíritas a quem falo, que os homens a quem foi dada a graça de conhecer em espírito e verdade a Doutrina do Cristo, tenham a boa vontade de me compreender — a boa vontade de ver nas minhas palavras unicamente o interesse do amor que lhes consagro.

Allan Kardec.


II. — Estudos sobre obsessões.


Paz e Amor! Diante da grande responsabilidade que assumimos para com o nosso Criador, quando nos comprometemos a defender a Doutrina do seu amado Filho, selada com o seu próprio sangue no cimo do Calvário, para redimir as culpas dos homens; diante dos compromissos tomados pelo nosso próprio Espírito, certo então de triunfar da carne e suas paixões; de estabelecer na Terra o reino do amor e da fraternidade das criaturas; em face das lutas que crescem dia a dia, mais escabroso tornando o caminho da vossa existência em via de regeneração, elevo o meu pensamento ao Ser dos Seres, ao nosso Criador e Pai, e suplico, em nome da caridade divina, que se estendam as asas do seu amado Filho sobre a Terra, colocando-vos à sombra do seu Evangelho — garantia única da vossa crença — segura estabilidade da vossa fé!


Amigos! Ainda há pouco, atravessando com os olhos do Espírito o reinado das trevas, raciocinando sobre os fatos que atormentam a Humanidade constantemente, reconhecíeis a necessidade do perdão das ofensas, de pagar com benefícios os malefícios, de responder ao ódio com o amor, reconhecíeis a necessidade que o homem, revestido de um Mandatum tão santo sobre a Terra, tem da virtude e dos altos sentimentos que o nobilitem aos olhos do seu Criador para, desassombrado, empenhar-se na tremenda luta da Luz contra as trevas, em nome do Cristo — o Mestre, o Modelo, o Redentor.


Com efeito, louco seria aquele que, reconhecendo nos sofrimentos alheios a plena execução da justiça de um Deus clemente e misericordioso, tentasse apaziguá-los apenas com palavras — senão vazias de sentido — baldas completamente do sentimento cristão.


Louco seria quem, sem as armas que lhe dão as palavras de Jesus, se entregasse a essa luta inglória, agravando — quem sabe! os sofrimentos e as dores daqueles por quem se dispõe a lutar.


Compreendeis que vos falo dos obsessos, desses infelizes irmãos que encontrais a todo momento e que despertam a vossa curiosidade ou os vossos sentimentos. Falo dessas vítimas de erros e faltas que escapam à vossa percepção e aos quais, olhando-os com olhos piedosos, procurais ministrar a palavra consoladora — o bálsamo santo da caridade divina.


Se fora possível, a todos os que estremecem diante desses quadros horrorosos, praticar o jejum de que falava Jesus aos seus apóstolos; se fora possível a cada um compreender o papel de verdadeiro sacerdote, de que se acha incumbido quando procura repartir a hóstia sagrada, no altar de Jesus, com seus irmãos da Terra; se fora possível a elevação de vistas sobre estes fatos, em que a justiça de Deus se manifesta e, quiçá, o próprio arrependimento daquele cujo sofrimento tanto comove, certamente a tristeza não invadiria a vossa alma, a desilusão não perturbaria a vossa crença, a dor não dominaria os impulsos da vossa fé!


Quereis os fins, procurai os meios. Os fins que visais são bons, empregai os bons meios — compreendendo sempre, constantemente, que Deus vela sobre todas as suas criaturas e que até os cabelos de cada uma estão contados.


Compreendei o que quer dizer — Misericórdia; compreendei o que quer dizer — Justiça!


Não entra nas questões altamente divinas que essas duas palavras encerram, isso a que chamais na Terra — boa vontade, assim mesmo desmentida, muitas vezes, pela direção que dais aos vossos atos e às vossas ações.


Compreendei a imutabilidade da lei de Deus; ela pode ter a sua execução sustada, mas nunca revogada.


A execução é sustada quando — não a boa vontade, mas o amor de suas criaturas, os eflúvios santos da caridade lhe sobem nas asas de uma prece e vão chorar junto do seu poder misericordioso. Então, ele apazigua os sofrimentos temporariamente, por isso que o princípio da justiça prevalece sempre, distribuindo a cada um segundo as suas obras.


Compete, pois, ao verdadeiro espírita, ao verdadeiro imitador de Jesus, munir-se dos meios santos e puros para chegar a fins tão divinos e tão sagrados. Fazer por merecer — eis a grande questão!


Deus é bom; procuremos, ao menos, não ser maus. Deus é a misericórdia; procuremos, na medida das nossas forças, repartir com os nossos semelhantes — não os lodos da alma, que desbotam os sentimentos — mas o amor que bebemos no grande Jordão do Evangelho, lavando-nos de culpas e de erros do passado.


Humildes, caridosos, vereis claro o vosso rumo; podereis, como o disse Jesus, levantar os paralíticos, dar vista aos cegos, quais os Apóstolos que não limitavam o seu amor ao Mestre só à boa vontade, mas o estendiam à prática das boas ações.


Humildes e caridosos, não caireis nos barrancos com aqueles que conduzirdes pela mão. Humildes e caridosos, podereis trancar a casa varrida e ornada, derrotando as potestades malévolas que hoje vos intimidam, porque (infelizes que sois!), de posse do Evangelho, vos encontrais sem forças!


Sim! Invoquemos com amor a graça de Jesus, supliquemos com humildade a misericórdia de Deus, para que, de posse do Evangelho, recebamos a sua força — possamos dar batalha a todos os sentimentos que não falem do seu nome, propagar pelo exemplo a sua palavra, único meio de chegarmos ao nosso desiderato sem agravar a responsabilidade, que porventura atualmente pese sobre cada um de nós, na distribuição da sua doutrina.


Invoquemos o seu amor para que tenhamos força no coração e luz na inteligência, para que nos esclareça os ditames da consciência no terreno calmo e sereno onde o Espírito vai, segundo a sua palavra, fecundando as boas sementes pelo trabalho contínuo das ações, com a enxada das virtudes.


Procuremos por essa graça, que invocamos, dar o justo valor ao sentimento a que chamamos caridade — chave com que abrimos as portas do Céu —, isto é: chave com que alcançamos a paz da consciência, o templo do amor, o sacrário da justiça, o tabernáculo da fé!


Procuremos dar justo valor a esse sentimento, que talvez profanemos, consciente ou inconscientemente, e com a profanação do qual perturbamos a paz, a serenidade da justiça, que se cumpre — não pela vontade dos homens, mas — pela vontade de Deus, de acordo com a lei que, emanada da sua sabedoria e do seu amor nunca desmentidos, distribui a cada um segundo as suas obras.


Perguntemos a nós mesmos, para que a nossa consciência responda, se a caridade, essa virtude divina, exclui porventura a prudência, a razão, quando sabemos previamente que tudo tem sempre uma razão de ser, que tudo se faz pela vontade de Deus!


Perguntemos a nós mesmos, sempre que o sentimento da filantropia, que se aninha em nosso ser e que supomos ser o da caridade, nos permite momentos de meditação, sugerindo-nos considerações sociais e pessoais, modelando mesmo os corações nos estreitos moldes dos prejuízos do mundo, sempre que aquele sentimento não receba de nós e espontaneamente os impulsos da fé, os alentos da esperança e a certeza de que é caridade o que se quer realizar; perguntemos a nós mesmos se há em nosso íntimo sentimentos tão grandes e tão divinos que possam suplantar o amor de Deus às criaturas!


Perguntemos à nossa razão e à nossa inteligência se acima das nossas cabeças, onde fermentam, às vezes, ideias bastante pecaminosas, existe um véu tão denso e tão impenetrável que não possa ser atravessado pelos olhos de Deus, que tudo vê, tudo sente!


Meus amigos! Chamo bastante a vossa atenção para esta passagem da minha pálida comunicação, falando-vos da caridade em face das obsessões. Chamo a vossa atenção, porque quero deixar firmado um princípio relativo às vossas condições, a fim de vos poupar desgostos e, talvez, revoltas, quando, sem saberdes dar o verdadeiro peso às inconsequências dos vossos atos, às imprudências das vossas ações — permiti que vos fale assim — pretendeis chegar a grandes fins, usando de limitados meios.


Não vos proíbo — e seria uma aberração do meu Espírito proibir-vos — tratar de obsessões. Notai bem! o que condeno, se condenar possa alguma coisa em nome da Doutrina, é que, a pretexto de caridade, caridade geralmente falada e poucas vezes sentida — vos exponhais a conflitos com o espírito das trevas, perturbeis a justiça de Deus que se realiza nos vossos semelhantes e agraveis, por consequência, a responsabilidade do vosso Espírito, por isso que muitas vezes, nesses tentames, longe de distribuirdes os sazonados frutos do Evangelho, distribuís os agudos espinhos da dor e do martírio!


A caridade que exclui a razão, a prudência e o bom-senso — a verdadeira caridade — é instintiva!


Não argumentemos com ela. Essa caridade constitui a poderosa força da alma, que já não conhece restrições no infinito.


Não argumentemos com ela, que, sendo a verdadeira caridade, não discute conosco. Pela sua pureza, paira numa região que não podemos ainda tocar. Ela se orvalha da Misericórdia Divina, participa do bafejo do Criador, é grande, é imensa, não podemos medi-la.


Mas a caridade que obriga o Espírito a cogitar dos meios, a caridade que discute, que atende a considerações sociais e prejuízos, essa caridade — antes sentimento filantrópico — precisa ser analisada, precisa ser medida para servir de norma à nossa conduta sobre a Terra, na distribuição das palavras do Evangelho, na depuração dos vossos Espíritos, até que possais chegar ao fim, ao desejado porto, que é Jesus — nosso Mestre e nosso amigo.


É imprescindível o estudo do obsesso, em que vamos operar o trabalho que nos reclama a filantropia do coração: — estudo fisiológico e patológico, estudo das causas determinantes dos sofrimentos que nos comovem; estudo do meio em que vamos atuar; dos sentimentos religiosos daquele a quem pretendemos curar; das suas qualidades morais; dos seus princípios; da sua educação, do tempo, de tudo, finalmente, que possa concorrer para nossa orientação no trabalho que pretendemos fazer. Nesse estudo sério, seguro, é que podemos encontrar o fio de Ariadne que nos guiará na obra de salvação do infeliz irmão, ovelha desgarrada, na frase do Evangelho — para a qual seremos o pastor, mas com os sentimentos do pastor.


A palavra só deve entrar na casa do obsesso como coisa secundária; o que lhe devemos levar são sentimentos, são qualidades morais que se imponham: — a fé do verdadeiro Levita, a seriedade do verdadeiro Sacerdote!


E não há fugir desse pensamento, e não há fugir desse princípio, quando a razão nos diz que vamos colocar-nos entre a justiça de Deus e um infeliz — que vamos colocar o nosso coração como antemural à vontade do Eterno, que tudo vê, tudo sente.


Não há fugir dessa doutrina, quando sabemos que de Deus são completamente desconhecidas as fórmulas da boa vontade e que nos seus domínios só pode penetrar o espírito da fé.


Curar! Quem não procura curar?


Suavizar os sofrimentos alheios, participar das dores dos seus semelhantes, beber no cálice das suas amarguras; quem não o procura fazer?


Todos quantos têm o sentimento cristão — todos os que não pulverizam os sentimentos do amor, inato no coração das criaturas e aí colocado pela mão de Deus!


Mas, que todos se revejam no Mestre; — que todos se lembrem de suas palavras quando, procurado pelos enfermos e obcecados, do corpo e do espírito, lhes dizia não convir que se curassem, porque não convinha, na linguagem do Espírito, fossem agravar suas responsabilidades fazendo mau uso de uma graça recebida. Ainda mais: — não convinha se curassem porque necessitavam das provações e das expiações para se elevarem aos pés de Deus, o que não conseguiriam com a saúde do corpo, mas, sim, com a saúde do Espírito.


Amigos! Deixo-vos, para repouso do aparelho que me serve, e não continuarei enquanto não me honrardes, solicitando o meu concurso para o vosso estudo. Rogo-vos, como verdadeiro amigo, me interrogueis sobre os pontos que porventura não puderdes aceitar, para que eu, com os elementos de que disponha no vosso médium, me faça melhor compreender, ou seja por vós esclarecido.


*


Sinto-me bem no meio de amigos que procuram comigo investigar a verdade necessária ao progresso da Humanidade, e isso sem os preconceitos e os prejuízos que desvirtuam um estudo que deve ser feito com humildade e verdadeiro interesse.


Da comunicação apresentada ao vosso estudo crítico, procuremos tirar as necessárias premissas e suas consequências imediatas.


Deixando de parte a forma, que nada interessa à questão de que tratamos, vejamos o que podemos encontrar no fundo, que aproveite aos nossos Espíritos ávidos de luz e de novos conhecimentos.


Primeira questão: — Deve o espírita tentar a cura de obsessões, quando sabe previamente que tudo tem a sua razão de ser — que tudo é feito pela vontade de Deus — e que até os cabelos da cabeça de cada um estão contados?

Responderei, como regra absoluta: Sim!


Segunda questão: — Pode o espírita, cônscio da sua fraqueza, da deficiência da sua força moral, ir ao encontro dos obsessos, procurando salvá-los da perseguição, da dor e do sofrimento que os comovem?

Ainda respondo: — Sim! — também como regra absoluta.


Terceira questão: — Mas deve o espírita, levado tão somente pelo conhecimento que tem da Doutrina e pela esperança da graça que há de receber, tentar a cura, desprezando os meios aconselhados?

Não!


E isso, meus amigos, pela simples razão de não ser admissível colocar-se à cabeceira de um enfermo um médico que ignore completamente a Medicina!


De igual modo que o médico, que trata do corpo, não cura apenas com a sua boa vontade mas procura os meios terapêuticos para combater a enfermidade denunciada pelo estado patológico do enfermo, assim o espírita, médico que deve ser da alma, tem que procurar os meios adequados à higiene da alma para curá-la, debelando as causas determinantes do mal que o entristece e lhe desperta a vontade de praticar o bem.


Admitir que do simples encontro de um espírita com um obsesso pudesse resultar o afastamento do algoz e a garantia da vítima, fora admitir um capricho da Divindade, suscetível de ser desfeito ao primeiro gesto humano.


Mas, se Deus é justo, se Deus é misericordioso e se ninguém o pode exceder em sentimento de caridade, compreendereis a impossibilidade de qualquer tentativa nesse sentido; compreendereis, ainda mais, a responsabilidade que advém, para o vosso Espírito, da profanação das coisas santas, sujeitas à justiça de Deus!


Falando do sentimento que muitas vezes vos faz estremecer a alma e que supondes ser o da caridade, por isso que não podeis ainda compreender a grandeza e a santidade deste sentimento, deixei perceber a todos vós que melhor seria lhe chamássemos sentimento filantrópico, sentimento este que, não sendo a caridade, mas o seu princípio a desabrochar no vosso Espírito, não vos inibe, contudo, de tratar dos vossos irmãos vítimas de obsessões, desde que, com prudência, com critério e com a razão, saibais dar direção aos vossos atos de filantropia, exercitando assim o vosso Espírito na prática do bem, proporcionando-lhe dia a dia novas forças e novas luzes para o seu alevantamento moral, e para o progresso da Doutrina.


Quando o espírita tem fé, mas fé sentida; quando o espírita tem amor, mas amor esclarecido; quando o espírita tem caridade, mas a caridade provada, vai, sem cogitações estranhas, ao encontro dos que sofrem e, a exemplo do Mestre e dos Apóstolos, expele os demônios, dá vista aos cegos faz andar os paralíticos.


Quando, porém, o espírita apenas por tradição conhece esses sentimentos; quando é o primeiro a ter consciência da fraqueza de sua alma para se fazer de antemural entre a justiça de Deus e o sofrimento do seu semelhante; quando, apesar de tudo isso, aspira — o que é muito natural —, deseja — o que é nobre — chegar à condição daquele que possui os grandes sentimentos da alma, o espírita não pode deixar de ser prudente, criterioso e sensato, procurando os meios de suprir os sentimentos que lhe faltem na alma, a fim de desempenhar o seu dever de cristão e de espírita.


É neste ponto que intervém o estudo fisiológico e patológico das causas determinantes do sofrimento, o estudo do meio onde se vai agir, do tempo, de tudo, finalmente, que respeita ao trabalho que se tem de fazer.


O espírita, diante do obsesso, está diante do desconhecido, e, de igual modo que nenhum homem se aventura a explorar certa zona desconhecida, sem fazer o necessário reconhecimento para caminhar com desassombro e abrir a sua estrada, assim também esse estudo patológico das causas determinantes do sofrimento constitui o reconhecimento necessário ao trabalho que se vai tentar, por isso que nele se encontram os elementos substitutivos da fé que opera a remoção das montanhas — do amor que faz a unificação das almas — da caridade que se distende por todo o infinito!


Princípio invariável: — Em todos os casos de obsessão há sempre um estado mórbido a combater — estado mórbido esse que é causa ou efeito.


Sendo assim, o estudo fisiológico é imprescindível, meus amigos, os meios terapêuticos são mais que necessários, por isso que se trata de entrar num jogo — se assim me posso exprimir — de desequilíbrio de órgãos desmantelados pela absorção de fluidos que têm alterado a economia [o organismo] peculiar a cada ser.


Restabelecer os órgãos, traze-los às funções normais, é um trabalho tanto mais necessário quanto sabemos que, às vezes, a sua desorganização é que permite o estabelecimento do laço entre o obsessor e o obsesso. Isso quanto à parte fisiológica.


Quanto à parte moral, porque o vosso fito seja restabelecer o obsidiado, não podeis, contudo, abandonar o obsessor que tendes diante de vós e que, por mau, nem por isso deixa de ser vosso irmão e de estar debaixo da misericórdia de Deus. Por convir sejam concomitantes as curas de ambos, é que se torna impossível, simplesmente pela boa vontade, obter a graça que muitas vezes ides invocar da misericórdia e do amor do Altíssimo.


Sem dúvida, Deus, na sua sabedoria e vontade, pode, num dado momento, afugentar todas as legiões de maus Espíritos. Mas, se Deus não quer a morte do pecador e sim que ele se salve,  ( † ) Deus não permite que, pela simples evocação do seu nome, se restabeleça um que precisa sofrer e expiar faltas cometidas, e se lancem às trevas, ao desespero, outros, que também são filhos e que se não o amam é porque o não conhecem!


Assim, pois, o bem deve ser feito indistintamente, seja qual for o terreno em que houvermos de o praticar. Mas, nem o próprio bem pode excluir a nossa razão, quando, tratando-se da justiça de Deus, pretendemos contrariá-la.


O Pai ama seus filhos e abre seu amoroso seio a recebe-los, quando os filhos sabem ir a Ele. Deus apazigua os males da Humanidade; Deus retira a espada da sua justiça de sobre a cabeça dos seus filhos; porém, somente quando da alma destes mesmos filhos brota, santificado, o doce eflúvio da caridade divina, cujos germes foram ali depositados para se desenvolverem e voltarem ao seu seio.


Se tendes fé, se tendes amor, se tendes caridade, cerrai os olhos, marchai mesmo para o desconhecido e produzireis assombros!


Se tendes paixões, se tendes vícios, se tendes crimes, sede prudentes. Marchai tímidos, reconhecei o terreno em que pisais, cercai-vos dos meios necessários ao vosso empreendimento e curai obsidiados e obsessores pela graça do Senhor, que reconhece a vossa humildade e o vosso firme desejo de praticar o bem, apesar de serdes pequeninos.


Meus amigos! não quero fatigar a quem me serve tão passivamente. Que Deus em seu infinito amor permita por intermédio dos vossos Guias, possais ter bem claro o vosso entendimento para compreenderdes — não os conselhos do mestre, e sim as provas de amizade que vos dá o vosso amigo e irmão.


*


Bendito seja o Senhor, que permite a um pobre Espírito, desejoso de luz e de progresso, vir junto de seus irmãos da Terra expender pálidos pensamentos doutrinários com o fim justo — não de ensinar — mas de permutar com eles os sentimentos que lhe vão na alma, estabelecendo desta sorte o laço da amizade espiritual — prenúncio indubitável do amor a que tendemos.


Voltando às comunicações apresentadas ao vosso exame, procuremos ainda tirar as consequências das premissas formuladas, completando o nosso estudo relativamente a cura das obsessões.


Ficou estabelecido que aquele que tem a fé, conforme a queria Jesus, isto é — a do grão de mostarda — não precisa de fórmulas e cuidados prescritos pela patogenesia para a reabilitação dos enfermos da alma e do corpo.


Ficou também estabelecido que aquele que se reconhece fraco espiritualmente; aquele em que se podem apontar erros e culpas — não se deve levar simplesmente pela boa vontade, esperando da graça do Senhor aquilo que só pode conquistar pelo esforço próprio, no trabalho consecutivo e cotidiano do aperfeiçoamento das suas funções espirituais, por isso que — disse eu —, a admitir-se hipótese contrária, teríamos, não um Deus justo e bom, mas um Deus caprichoso e suscetível dos erros e crimes das suas próprias criaturas.


Ficou também estabelecido que é uma necessidade o exame patológico do enfermo, por isso que há sempre um estado mórbido a combater — estado mórbido que pode ser a causa da obsessão, mas que também pode ser efeito desta.


São duas coisas distintas, meus amigos, cada qual requerendo tratamento especial, porquanto no primeiro caso a vossa ação se deve exercer toda sobre o obsidiado, ao passo que no segundo deve ser toda exercida sobre o obsessor.


O estudo patológico tanto mais necessário e conveniente se torna aos nossos olhos, quanto precisamos conduzir-nos com todo o critério na vida de relação, com todo o bom-senso na vida social — vida de relação, vida social onde as moléstias, mal ou bem, estão classificadas e conhecidas — onde seria um pesar para a Doutrina confundir a encefalite, a esplenite a mielite, o histerismo e a epilepsia com a presença de Espíritos obsessores, aos quais pretendeis levar a luz, o conselho salutar, o restabelecimento, finalmente.


Bem compreendeis que, na hipótese de uma dessas moléstias, é natural haja sempre influências estranhas, que se aproveitam do estado mórbido, mas não é isso o que realmente se pode chamar obsessão.


Em tal caso, feito o tratamento com os agentes terapêuticos, tem-se o restabelecimento dos órgãos, a volta da saúde: cessando a causa, cessam os efeitos.


Entretanto, quando os órgãos são levados ao desequilíbrio pela absorção de fluidos, pela presença constante do Espírito que obsidia, o tratamento deve convergir todo para a causa estranha que se apresenta determinando as desorganizações mentais, a perda da vontade, o aniquilamento do livre-arbítrio.


É nesse ponto que quase sempre vos encontrais fracos; é nesse trabalho mecânico — por isso que é um trabalho todo de fluidos — que vos encontrais em sérios embaraços, sofrendo, quem sabe muitas vezes desfalecimentos que vos levariam à descrença, ao abandono da Doutrina de Jesus, se os vossos Guias não vos viessem tocar a consciência, mostrando a improcedência dos vossos raciocínios, que vos impelem a vos julgardes alucinadamente superiores a Deus.


Assim como para combater uma causa física se antepõe uma força física, assim também para combater uma causa moral é preciso antepor-lhe a força moral.


Sendo certo que o Espírito obsidiado tem o seu perispírito impregnado, saturado de fluidos maus e perniciosos, deveis pela potência da vontade, produzir o trabalho que nada tem de material ou mecânico e que consiste em lhe antepor fluidos puros e salutares; e essa pureza, essa salubridade dos fluidos só pode vir da superioridade moral do vosso eu — superioridade moral que vos dá autoridade — a que nenhum Espírito pode resistir, pois que não há em absoluto a homogeneidade que permitiria o exercício de força contrária à Lei, e vós estareis dentro da Lei!


Eis por que eu disse que convinha toda a prudência ao vos conduzirdes nesses trabalhos espinhosos, porque o homem, que não tem consigo elementos de salvação, não se atira sobre as ondas do oceano revolto que o pode sorver, que o pode tragar no seu seio tempestuoso.


A boa vontade pode ser um meio, mas não é tudo.


O homem que quer destruir a montanha não cruza os braços, limitando-se a dizer a Deus, ou à Natureza, que tem vontade de que a montanha seja destruída: vai buscar a ferramenta, trabalha até à mortificação do corpo, cava a rocha e faz a destruição.


Tendes boa vontade de curar, é justo, eu já o disse. Mas a obsessão é uma montanha extraordinária de paixões e sentimentos desordenados, para cuja destruição precisais das ferramentas do amor, das ferramentas da humildade e da verdadeira abnegação.


Se o vosso Espírito comporta todos esses sentimentos grandes; se a vossa alma pode absorver toda a doutrina emanada do Evangelho de Jesus; por que não o dilatar de todo?


Por que não amar — por que não ser humilde desde que sabeis que só o amor e a humildade darão capacidade moral para produzir os assombros obtidos pelos Santos Apóstolos; quando, em nome do Divino Mestre, iam de cidade em cidade, de aldeia em aldeia, pregando a sua doutrina — limpando os corpos e purificando as almas?


Irmãos! Não vos iludam os caprichos da carne; não vos iludam esses fogos-fátuos das grandezas humanas, que não podem aclarar a ínvia estrada da vossa existência sobre a Terra, nem vos apontar os marcos do gozo que não morre!


Em cada um de vós vejo, é certo, um pecador; mas, antes, vejo em cada um de vós uma vontade; e, se essa vontade souber exercitar-se, se souber fazer uso do poder, os arruinados castelos de dificuldades serão destruídos para todo o sempre e sobre os seus destroços se levantarão os vossos Espíritos, pecadores de hoje, puros e glorificados por um Deus que é justo!


Dar pouco já é dar alguma coisa. Se reconheceis no vosso Espírito a fraqueza para os grandes cometimentos da alma, orai, pedi forças a Jesus, e nem de longe acrediteis que vos seja negada a gota de água para os lábios ressequidos — um raio de luz da misericórdia divina ao vosso coração que se humilha, ao vosso Espírito que se abate para se levantar!


Quando assim fizerdes; quando compreenderdes que ser espírita não é ser homem, mas cristão; quando souberdes dar todo o valor a essa graça que vos é concedida pelo esposamento completo da doutrina que se vos prega; quando, finalmente, vos convencerdes de que éreis náufragos nesse mundo, e que Deus bondosamente fez chegar às vossas mãos a tábua do Evangelho, então podereis ir a casa do doente obsidiado e, dizendo simplesmente — «A paz de Jesus esteja nesta casa» — o doente terá a paz, terá a saúde no corpo e na alma, por Jesus-Cristo, em nome do qual tereis ido praticar o bem, cumprindo a sua lei!


Meus Irmãos! Meus dedicados Amigos! Não quero fatigar o vosso companheiro.


O que vos tenho dito basta para compreenderdes o modo por que deveis proceder quando vos achardes em presença de um obsidiado.


Que Deus aclare o vosso entendimento, que Jesus, por intermédio dos bons Guias, vos dê todas as intuições do bem para a vossa felicidade nesse mundo e no mundo onde vos espero.


Que assim seja!

Allan Kardec.



[1] Ditadas ao médium Frederico Júnior, em 1888 e 1889, na Sociedade Espírita “Fraternidade”; extraídas do livro A Prece, editado pela Federação Espírita Brasileira.


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